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A ATIVIDADE LEGIFERANTE DO PODER POLÍTICO

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JOSÉ GERALDO GOMES

Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV (Faculdade de Direito de Vitória - 2011); Pós-graduação lato senso em Direito Penal e Direito Processual Penal, Direito Civil e Direito Processual Civil – Fundação Gildásio Amado - Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC). Graduação em Direito – Faculdade de Direito de Colatina/ES (atual Centro Universitário do Espírito Santo – 1.990)



Preliminarmente, importante observar e compreender o que possa ser entendido como princípio, regra, norma, preceito, valor e garantia. Inicialmente, diga-se que o direito se expressa por meio das normas. Estas, emanam das regras e dos princípios. A norma penal em sentido estrito, ou norma penal incriminadora é composta por um preceito primário e um preceito secundário. O preceito primário define o crime, já o preceito secundário comina a pena respectiva.


Pelo que se observa, norma, princípio, preceito e regra são conceitos interligados, porém, distintos. Nesse sentido, os valores do Estado Constitucional Humanitário de Direito são os vetores fundamentais que retratam suas bases epistemológicas. O valor-meta é a justiça e o valor-síntese é a dignidade humana. As garantias são os instrumentos criados pelo ordenamento jurídico com o escopo de reduzir a distância entre o normativismo e sua eficácia, isto é, a realização prática do direito normatizado, sendo certo que sua eficácia só pode ser alcançada por meio das garantias.

Os princípios, segundo DWORKIN, diferentemente das regras, não prescrevem determinada conduta, porque não contêm a especificação suficiente de uma situação fática, face à sua generalidade e abstração. Por isso, expressam critérios e razões para determinada decisão, mas não os definem detalhadamente. Ainda distintamente das regras, os princípios podem se realizar em maior ou menor medida, em razão de serem “mandamentos de otimização com uma dimensão de peso”[1].


As regras disciplinam determinada situação fática e definem suas consequências. Para as regras vale a lógica do tudo ou nada, na visão dworkiniana. Quando duas regras colidem, fala-se em “conflito de regras” a ser solucionado pelos meios clássicos de interpretação usando os critérios da especialidade, o da lei posterior etc. Os princípios, por sua vez, são diretrizes gerais de um ordenamento jurídico, com espectro de incidência mais amplo que as regras. “Entre eles haverá colisão, e não conflito”, e “quando colidem, não se excluem”, conforme DWORKIN. A incidência se verificará diante dos casos concretos. Portanto, a diferença marcante entre regras e princípios reside no seguinte ponto: a regra cuida de uma situação concreta, enquanto os princípios norteiam uma multiplicidade de situações, a exemplo da presunção de inocência, forma de tratamento dispensado à pessoa do imputado, dentre outras.


A legislação processual pertinente estabelece as regras e diretrizes que vinculam as autoridades encarregadas das apurações preliminares na fase inquisitória, para cada situação em particular. Nas infrações penais (crimes ou delitos, e contravenções penais), cuja ação seja de iniciativa pública, o inquérito policial deva ser iniciado de ofício, pela autoridade policial, ou mediante requisição do órgão do Ministério Público ou a requerimento do ofendido ou de seu representante legal.


O código de processo penal ainda mantém positivada a iniciativa do juiz no tocante à requisição de inquérito, fato criticado pela doutrina, levando-se em conta o princípio da inércia da jurisdição e a iniciativa das partes, típicas do sistema acusatório do processo penal, que confere exclusividade ao Ministério Público na propositura das ações penais públicas, nos termos do artigo129, I da CRFB/1988. Entende-se que a interferência do juiz, ou qualquer ato de diligência visando a construção do corpo probatório compromete a sua imparcialidade. Nesse sentido, inadmissível um magistrado determinar diligências de ofício, requisitar instauração de inquérito, e com maior razão, por iniciativa própria, instaurar qualquer procedimento apuratório. Portanto, nenhuma norma inferior, seja lei ordinária ou regimento interno de tribunais tem a força de modificar o texto constitucional para inverter o princípio da inércia do juiz e sistema acusatório consagrado pela vigente constituição federal.


A norma penal incriminadora reserva a alguns tipos penais, uma condição de procedibilidade da ação, à saber: representação do ofendido ou seu representante legal, e requisição do ministro da justiça. Preceitua o art.5º,§ 4º, do CPP[2], que ausente essa condicionante (representação do ofendido ou seu representante legal), ou requisição do ministro da justiça, não poderá a autoridade policial instaurar inquérito.


Outras infrações penais, expressamente declaradas em lei, a iniciativa da ação compete exclusivamente ao ofendido ou seu representante legal, ressalvada a hipóteses de ação penal privada personalíssima, em que somente o ofendido, e mais ninguém poderá propor a ação. O fará por meio de advogado legalmente habilitado e munido com instrumento procuratório com poderes especiais, via queixa ou queixa-crime.


Note-se que, diante do silêncio da lei, e em conformidade como art. 100 do Código Penal, a ação será pública incondicionada, a qual será proposta pelo Ministério Público, via denúncia. Pudesse o juiz instaurar inquérito de ofício, ou nessa mesma trilha determinar diligência, estaria o juízo seriamente comprometido e impedido e/ou suspeito, em face dos atos indevidamente praticados, conduzindo à nulidade absoluta do processo. O princípio da separação dos poderes somados à inércia jurisdicional, não permitem que o mesmo agente funcione como ofendido/vítima, investigador, acusador e julgador.


Essa é a atividade legiferante estatal, obedecido o devido processo legislativo, com debates, votação, promulgação, e entrada em vigor. Com a vigência da lei, ela terá sua aplicação aos casos concretos, e somente nas hipóteses de possíveis inconstitucionalidades, caberá intervenção judicial via ação própria e perante a instância competente. Inobstante as garantias constitucionais, o entendimento jurisprudencial é no sentido de que o inquérito policial se constitui de peça meramente informativa, de natureza inquisitorial, não sujeita ao contraditório nem ampla defesa, todavia, assegura ao defensor acesso aos elementos de prova já documentados em procedimento investigativo na esfera da polícia judiciária.


CF/1988, art. 5º, LV – “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

SÚMULA VINCULANTE nº 14 do STF – “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.


Tal entendimento encontra arrimo no fato de que na fase extrajudicial inquisitória não há acusação nem acusado, e os elementos indiciários coligidos na instância extrajudicial só produzirão efeitos jurídicos capazes de sustentar uma condenação, na hipótese de ratificação das provas em juízo, sob o crivo do contraditório e ampla defesa, como assegura a norma fundamental.


Esse raciocínio, de duvidosa constitucionalidade, contribuiu para que na reforma do código de processo penal, cujo projeto encontra-se em trâmite no congresso nacional, já na exposição de motivos, dois renomados juristas, Ministro Hamilton Carvalhido – coordenador, e Procurador da República Eugênio Pacelli de Oliveira – relator, se manifestassem atentos a uma convergência majoritária sobre a necessidade de elaborar um novo código de processo penal a partir da ordem constitucional de 1.988, por duas razões: a) histórica – pelas determinações e condicionamentos materiais de cada época; b) teórica – alusiva à estruturação principiológica da legislação codificada, que data de 1.941, já definitivamente superada (anteprojeto de reforma do código de processo penal. Exposição de motivos, 2008, p. 15).


Continua citando a incompatibilidade entre os modelos normativos do CPP – Decreto-Lei 3.689, de 03 de outubro de 1.941 e a Constituição Federal de 05 e outubro de 1.988, como algo manifesto e inquestionável. A constituição federal é sem dúvida a legitimidade, a energia e o limite do poder, de sorte que “nas mais variadas concepções teóricas a respeito do estado democrático de direito, o reconhecimento e a afirmação dos direitos fundamentais aparecem como um verdadeiro núcleo dogmático”. Idem, op. Cit.

[1] DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 1.998 [2] Art. 5º, §4º, CPP – “O inquérito, nos crimes a ação pública depender de representação, não poderá sem ela, ser iniciado”.




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