A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E CULTURAL AINDA VIVE ENTRE NÓS
- jjuncal10
- 10 de abr.
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BIA MONTES, JORNALISTA, ATUANTE NAS ÁREAS DE ASSESSORIA POLÍTICA E GESTÃO DE CRISE. ATUOU POR 20 ANOS EM ASSESSORIA POLÍTICA E COORDENAÇÃO ESTRATÉGICA DE CAMPANHAS POLÍTICAS. HOJE, PRODUTORA DE REPORTAGEM NA TV BAND, ESCRITORA DE CONTOS E ARTIGOS DE OPINIÃO
O Brasil se orgulha de ser um país diverso, multicultural e multirreligioso. Mas essa imagem, por vezes vendida ao mundo como símbolo de tolerância, esconde uma realidade que insiste em resistir: a intolerância religiosa e cultural, especialmente contra manifestações afro-brasileiras como o congado, o candomblé e a umbanda. Por trás de muitos discursos ditos “neutros” ou “racionais”, há preconceito, racismo estrutural e uma tentativa velada — e às vezes nem tão velada assim — de apagar a contribuição do povo negro para a formação da identidade nacional.
Recentemente, um episódio lamentável evidenciou esse tipo de postura. Na Câmara Municipal de Uberlândia, durante uma sessão da Câmara Municipal de Uberlândia (MG), realizada na última segunda-feira (7), a vereadora Janaína Guimarães (PL) causou polêmica ao se manifestar contra a destinação de recursos do governo federal para a área da cultura. Ao subir à tribuna, a parlamentar fez uso de palavras de baixo calão, afirmando: “Cultura é o caralho”.
A vereadora alegou que os recursos seriam utilizados para a realização de “festas de religiosidade”, expressão dita em tom pejorativo. Janaína argumentou que a cidade enfrenta problemas mais urgentes, e que os valores deveriam ser aplicados em outras áreas prioritárias.
Essa fala, além de desrespeitosa, revela o desconhecimento — ou o desprezo — por uma manifestação que carrega séculos de história, fé e resistência do povo negro no Brasil. Não se trata de uma simples opinião: é uma demonstração clara de intolerância religiosa e racismo institucional. Além, de também mostrar o despreparado da vereadora em assuntos legislativos brasileiro, uma vez que as verbas de incentivo cultural, são baseadas em lei, como a lei Aldir Blanc.
O congado é, sim, uma expressão religiosa e cultural profunda, que reúne música, dança, espiritualidade e ancestralidade. Negar isso é negar a própria história do país, construída com sangue, suor e fé de homens e mulheres escravizados que, mesmo em meio à opressão, mantiveram vivos seus ritos e suas crenças. Reduzir essa manifestação a algo sem valor público é o mesmo que dizer que a cultura negra não merece espaço, visibilidade ou investimento. É uma forma disfarçada de segregação.
E esse não é um caso isolado. Templos de candomblé e umbanda continuam sendo alvos de ataques físicos e simbólicos em várias regiões do país. Seus praticantes, em muitos casos, são obrigados a esconder sua fé por medo de represálias. As religiões afro-brasileiras, diferentemente de outras, não recebem o mesmo respeito institucional, nem o mesmo espaço na mídia ou na educação formal. Essa desigualdade precisa ser nomeada pelo que ela é: racismo religioso.
É urgente reconhecer que a intolerância contra o congado, o candomblé e outras expressões afro não é apenas uma questão de opinião divergente — é uma afronta aos direitos humanos, à liberdade religiosa e à democracia. Quando um representante público faz declarações como a da vereadora em Uberlândia, ele legitima o preconceito e fortalece estruturas que historicamente marginalizam a população negra.
Defender o congado, as religiões de matriz africana e todas as formas de manifestação da cultura negra é uma questão de justiça. É garantir que o Brasil reconheça sua própria essência, sua pluralidade e sua dívida histórica com os que sempre estiveram à margem. A festa de congado não é só uma celebração: é um ato de resistência, de fé e de pertencimento. E o dinheiro público investido nela é, na verdade, um investimento na memória, na identidade e na dignidade de um povo.
Enquanto vozes da intolerância tentarem calar os tambores, é nosso dever amplificá-los. Porque só haverá igualdade quando toda fé — inclusive a que vem da senzala e do terreiro — for tratada com o mesmo respeito.







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