
JOSÉ GERALDO GOMES
Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV (Faculdade de Direito de Vitória - 2011); Pós-graduação lato senso em Direito Penal e Direito Processual Penal, Direito Civil e Direito Processual Civil – Fundação Gildásio Amado - Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC). Graduação em Direito – Faculdade de Direito de Colatina/ES (atual Centro Universitário do Espírito Santo – 1.990)
Na edição anterior, comentou-se sobre alguns aspectos inerentes ao poder punitivo estatal e seus limites, em face da resposta penal pertinente, bem assim, cuidando da perpetração da infração dessa natureza, e sua apuração. Cabe, no entanto, analisar a natureza jurídica do poder punitivo estatal, e questionar se há, na espécie: poder, dever ou direito, que resulta na questão relacionada aos seus limites, sabendo-se que no âmbito do estado constitucional e humanitário de direito é inconcebível defender o reconhecimento absoluto ou ilimitado. As faixas demarcatórias do poder punitivo estatal não podem ser outras, senão aquelas de índole constitucional a orientar e determinar a punibilidade como “poder-dever” do estado, sem se desviar da eclética finalidade da pena: retributiva e preventiva. Com maior peso, deve-se priorizar sua essência pedagógica e respeito à dignidade humana, em conformidade com os ditames estabelecidos pelas regras mínimas da ONU, para o tratamento do prisioneiro.
A toda evidência, essas balizas são exteriorizadas por meio de princípios, na sua maioria esmagadora, com assento constitucional expresso. Dois deles, de tal magnitude que em todas as hipóteses do exercício do poder hão de ser observados: o da legalidade e o da dignidade da pessoa humana, este, compreendido como pressuposto da ideia de justiça, nos exatos termos descritos por PIOVESAN (Piovesan, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo, ed. Max Limonad, 2003, p. 389.
A final, o eixo em torno do qual giram as normas de direitos fundamentais é a lógica de assegurar e consagrar a proteção à dignidade humana, cujo valor está ancorado no entendimento de sua supremacia em relação aos demais. Numa avaliação linear da escala de valores inerentes ao indivíduo poder-se-ia dizer da vida e da liberdade como os dois mais valiosos. No entanto, a vida, ainda que em liberdade física, porém, sem dignidade, não faz o menor sentido. Por essa visão, o ser humano privado de sua liberdade, seja pelo tempo que for, ainda que em prisão perpétua nos países que a admitem, não pode ser privado de sua dignidade. Portanto, a vida humana exige dignidade, ou então, não é vida propriamente dita. Por isso, o ser humano encarcerado perde a liberdade, mas não pode perder a sua dignidade, cujo responsável é sem dúvida, o estado.
Convém salientar que dois fatores se mostram relevantes à luz do” jus puniendi”: um deles aduz à nefasta consequência da intervenção penal com reflexo destrutivo promovendo altos custos sociais, tendentes a uma possível restauração, nem sempre eficaz. Logo a seguir, a tendência intervencionista natural do estado, que potencializa a sua presença assim como o emprego dos meios ditos (in) eficazes para a solução dos conflitos e dirigir a convivência social. Noutras palavras, a atuação punitiva do estado é qualitativamente drástica e quantitativamente extensa.
A doutrina penal não camufla sua preocupação com os limites do jus puniendi seguindo duas vertentes: uma delas tem assento no princípio da legalidade estrita, para limitar o poder punitivo do estado, exclusivamente às hipóteses mencionadas pelo direito penal objetivo. Portanto, o exercício do poder encontra seus limites no direito normatizado, tanto na aplicação quanto na execução das penas legalmente cominadas. Outra orientação refere-se aos limites do poder ou faculdade de elaborar normas penais, por mais que esse delineamento obrigue a ultrapassar em muito o âmbito próprio do direito penal. Assim, os limites são regrados em todas as fases do jus puniendi, desde a elaboração normativa penal, à aplicação da pena e a respectiva execução.
Sob esse enfoque admite-se a existência de limites puramente formais, referentes ao princípio da legalidade (art. 1º, código penal – não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. Com idêntica previsão constitucional, art. 5º, XXXIX – “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena, sem prévia cominação legal”.
Noutra quadra reside o princípio da reserva legal, que muitos confundem com o princípio da legalidade. No entanto, reserva legal, em matéria de direito punitivo, significa que a constituição federal reservou, com exclusividade ao legislador ordinário (Congresso Nacional), competência para legislar sobre direito penal, nos exatos termos do artigo 22, I, CRFB (compete privativamente à União, legislar sobre {...direito penal ...} Note-se que há os que defendem, ao meu ver, sem fundamentação apta a sustentar tal tese, que nas hipóteses de normas penais incriminadoras em branco, ou incompletas, as normas complementares ou explicativas, ao suprirem as lacunas da normas em branco em sentido estrito, acabam por admitir a intervenção de outras fontes legislativas, v.g., atos administrativos ou legislações estaduais ou municipais, na elaboração descritiva dos tipos penais. Ou então, seriam elas inconstitucionais. Ocorre que as ditas normas complementares ou explicativas, figuram como métodos interpretativos, ou complementares, aptas conferir validade e clareza ao preceito primário da norma penal incriminadora.
O que não pode é autorizar a qualquer outro órgão estranho ao poder legislativo, a instituir figura típica penal, se valendo de interpretação extensiva, para transferir um fato atípico, embora reprovável, para compor elenco de figuras penais, legalmente definidas pelo órgão legiferante competente sob o pretexto de suprir a omissão legislativa, e agravar a situação do acusado. E aqui, estamos nos referindo às hipóteses de aplicar ao caso concreto, uma norma existente e válida, para alcançar fato não previsto em lei anterior. Do mesmo modo, invalidar leis elaboradas sob o manto da lei maior, (CRFB), descriminalizando condutas típicas, reduzindo seu alcance penalizador ou revogando parte do texto legal, quando a lógica jurídica recomenda que em tais situações, sejam as decisões judiciais nesse sentido, remetidas ao Congresso Nacional para as providências cabíveis, em conformidade com o processo legislativo competente.
A lógica aqui referida, não é outra, senão o princípio da tripartição das atividades do poder. Sabe-se que o poder é uno, com três vertentes harmônicas e independentes: executivo, legislativo e judiciário. A interferência de um dos ramos de atividade do poder em face do outro, não só gera rota de colisão, como instabilidade social e insegurança jurídica, com inevitável ruptura do sistema harmônico que deveria existir numa democracia verdadeira. Com a devida vênia aos que pensam em contrário, não estamos nos referindo ao princípio do acesso à justiça, ou princípio da inafastabilidade da jurisdição previsto no artigo 5º, XXXV da CF, que dispõe: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. O que se discute é justamente a interferência de um ramo do poder sobre outro.







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