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ANTECEDENTES CRIMINAIS

jjuncal10

JOSÉ GERALDO GOMES

Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV (Faculdade de Direito de Vitória - 2011); Pós-graduação lato senso em Direito Penal e Direito Processual Penal, Direito Civil e Direito Processual Civil – Fundação Gildásio Amado - Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC). Graduação em Direito – Faculdade de Direito de Colatina/ES (atual Centro Universitário do Espírito Santo – 1.990)


O tema sob comento, nos leva a uma estória popular, de autoria e origem temporal/espacial desconhecidas, porém, demonstra forte nexo causal entre o suposto conto infantil e a realidade jurídica ainda presente e concreta em nossos dias.


Conta-se que um cidadão exercia o ofício de carpintaria, e contava com a participação laboral da família, cujos filhos, realizavam pequenas tarefas, após retornarem da escola. Um deles, o caçula, demonstrava pequenos traços de rebeldia, motivo pelo qual, o pai lhe chamou a atenção, apontando os erros cometidos, ao mesmo tempo em que lhe fez uma proposta: entregou-lhe uma tábua lisa e bem torneada, sem a menor marca de qualquer instrumento contundente, lixada e envernizada. Disse-lhe que não iria mais chamar a sua atenção pelos erros cometidos. Apenas iria cravar um prego correspondente a cada erro ou desvio cometido. O prazo foi estabelecido de tal modo, que a cada malfeito praticado, a tábua receberia um prego, até que fosse completamente preenchida. Durante determinado tempo, o comportamento do jovem foi observado atentamente pelo pai.


Sem receber qualquer recompensa pelo trabalho realizado e não restando mais espaço para tanto prego, o pai lhe disse que daquele dia em diante, a prova seria diferente. A cada boa ação do menino, um prego seria extraído da tábua. Foi grande a alegria do rapaz. Então, passou a obedecer às regras imposta pela família, cumprindo rigorosamente o que fora combinado. Nesse sentido, a cada ação bem-sucedida, ao invés de receber recompensa ou elogios, seu pai convocava uma reunião familiar e extraia um prego da tábua. Assim transcorreu lapso temporal equivalente ao anterior. Quando o carpinteiro retirou o último prego, o jovem suspirou fundo... ufa... Nesse momento, o pai lhe dissera: enfim, aqui está a sua tábua, sem nenhum prego. Mas veio a observação: veja primeiro, as marcas deixadas pelos pregos que simbolizavam seus erros. Essa tábua já não é a mesma. O seu comportamento desviante produziu feridas, cujas cicatrizes, o tempo não apagará.


Confrontando a narrativa ficta acima, com o instituto jurídico da identificação criminal geradora dos assentos alusivos ao evento conhecido como antecedentes criminais, verifica-se algo semelhante entre os dois episódios, a ficção e o real.


À guisa de esclarecimentos, com a praticado crime, estabelece-se uma relação jurídico-punitiva entre o autor ou partícipe do fato incriminado e o estado. Por tal razão, torna-se imprescindível a interferência estatal, no sentido de se apurar a ocorrência, objetivando certificar-se quanto à autoria e materialidade. Essa apuração, em regra, exige a instauração do inquérito policial. No curso das apurações, uma série de atividades hão de surgir, para que não reste dúvidas sobre todo o desenrolar da persecutio criminis, a partir da motivação do crime, até a sua consumação, incluindo as circunstâncias e consequências do evento danoso.


Algumas diligências, a exemplo da identificação criminal, têm como razão de ser, análises futuras, sobretudo, no sentido de auxiliar o julgador, por ocasião de prolatar sentença, seja condenatória ou absolutória. Esse procedimento, conforme visto anteriormente, é de grande utilidade para estabelecer a identidade do sujeito investigado, de modo a evitar erros sobre a pessoa a quem se atribui autoria ou participação de crime, tal como ocorre nos casos de homônimos. O método dactiloscópico, o mais seguro e simples, foi introduzido no Brasil por influência de José Felix Alves Pacheco[1], cujo Presidente da República, Francisco de Paula Rodrigues Alves expediu o Decreto 4.765, de 5 de fevereiro de 1903[2], instituindo a dactiloscopia como método mais simples e perfeito para identificar criminosos, cadáveres, pessoas desconhecidas ou não, e também pessoas sem envolvimento com ocorrências policiais, reunindo dados de qualificação, dados morfológicos, exames descritivos e sinais particulares.


Todos esses elementos seriam subordinados à classificação dactiloscópica, de acordo com o sistema Vucetich, mantendo como subsidiário o antigo sistema da Antropometria de Alphonse Bertillon, também chamado de “Bertillonage”, em homenagem ao seu criador, considerando-se, para todos os efeitos, a impressão digital como prova mais concludente e positiva da identidade do indivíduo, dando-lhe prioridade ao conjunto dos outros dados que vão servir para complementação da individualidade.


Nos dias atuais, a identificação criminal constitui exceção. A regra constitucional é orientada para a abstenção desse procedimento em relação àquele (a) civilmente identificado (a), com as ressalvas contidas na Lei 12.037/2009. Nesse sentido, não será submetido à identificação criminal o indiciado portador de cédula de identidade civil sem rasura e legível, passaporte, Carteira de Trabalho, Carteira Nacional de Habilitação, Identidade funcional, civil ou militar, certificado de alistamento militar ou reservista militar, identidade de organismos autônomos, tais como: Ordem dos Advogados do Brasil, Conselhos Regionais ou Federais de Medicina, Enfermagem, Farmácia, Odontologia, Engenharia e Arquitetura, e outros ramos correlatos, documentos estes, com fotografia e sem rasuras.


Nestes casos, uma cópia do documento apresentado será juntada aos autos do inquérito policial, resultando na denominada “identificação criminal indireta”. Todos os dados qualificativos do indivíduo, seja pela identificação criminal direta ou indireta, serão encaminhados ao setor competente da Polícia Científica, e enviados aos bancos de dados local e nacional, constituindo-se numa fonte de dados criminais aptos ao fornecimento de informações sobre a vida pregressa do indivíduo. A cada evento dessa natureza, novos registros vão se acumulando, de tal modo que num curto espaço de tempo, concentra um histórico invejável de envolvimento criminoso.


Esse banco de dados alusivos aos antecedentes criminais do indivíduo, tem a função de orientar o juiz por ocasião da decisão final do processo a que responde. Por tais razões, quando consultado sobre a vida pregressa do acusado e nenhum registro for encontrado, a regra é dizer que o sujeito goza de bons antecedentes ou boa conduta. Tal situação se apresenta por meio das expressões: “nada consta”. De outro modo, quando se depara com anotações sobre registros criminais anteriores, significa que o pesquisado já experimentou algum tipo de infração penal, portanto, na realidade, não seria justo, em tese, que afirmar que tal pessoa goze de “bons antecedentes” ou “boa conduta”. No entanto, o Direito Penal moderno, seja material, seja processual, tende a suavizar os rigores das normas punitivas, para determinar que não constarão dos atestados ou certidões emitidas pela autoridade policial ou funcionários da justiça, quaisquer anotações sobre seus antecedentes, sem que haja uma condenação anterior, com trânsito em julgado. Logo, ainda que o sujeito tenha um passado nebuloso no que tange a prática criminal, sem condenação definitiva anterior, não pode receber adjetivações pejorativas.


De suma importância para o presente informativo, não podemos olvidar a existência do instituto da reincidência. Para a moderna legislação penal, reincidente não é somente aquele que repete ou reincide a prática criminosa. Mas, aquele que fora condenado anteriormente, com sentença que não caiba mais recurso, isto é, aquela decisão transitada em julgado, e vem a praticar novo crime. Eis uma situação inusitada: se determinado indivíduo praticar inúmeros crimes, a exemplo de um serial killer, e depois resolver abandonar a carreira criminosa, ou se a polícia não conseguir produzir provas indiciárias de autoria, à medida em que esses crimes forem esclarecidos, a condenação do acusado será sempre no sentido de “réu não reincidente”, ou “réu tecnicamente primário”. Isso porque ele não cometeu nenhum crime após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória de qualquer deles.


Do outro lado da moeda vem um contraponto: Os registros criminais não são excluídos dos bancos de dados estatais, ainda que absolvido o acusado, ou extinta a pena por qualquer das causas previstas em lei. Nessa esteira, alguns transtornos jurídicos podem surgir. Por exemplo: determinado indivíduo efetua uma compra a crédito, e dá como garantia um cheque desprovido de fundos suficientes à cobertura da cártula. É sabido que cheque pré-datado ou pós-datado constitui promessa de pagamento, e não tem a natureza de título de crédito apto a constituir-se em instrumento típico do delito de estelionato, conforme art. 171, §2º, VI, do CP. Nesse ponto, temos uma ressalva, quando o cheque é emitido de forma fraudulenta, com o nítido propósito de ludibriar a vítima, caso em que seria tipificado nos termos do art. 171, caput, CP. Um inquérito policial instaurado nesses moldes, e identificado o emissor da cártula, vindo este a ressarcir os danos antes do oferecimento da denúncia, o caminho é a extinção da punibilidade do agente. Entretanto, os dados qualificativos do investigado, permanecerão ad eternum nos bancos de dados, sem probabilidade de sua exclusão. Na hipótese de condenação anterior, com trânsito em julgado, determina o art. 202 da Lei 7.210/84, que cumprida ou extinta a pena, nenhuma notícia sobre o processo e sua condenação, poderá ser mencionada em certidões ou atestados judiciais. Mas esses registros não serão excluídos do banco de dados.


CONCLUSÃO


Verifica-se no caso, que nossa legislação, não raro se dedica às incongruências. Isso porque, os tribunais brasileiros têm entendimento de que registros criminais sem condenação definitiva, não servem como “maus antecedentes”. Também não funciona como reincidência. Se não se prestam a macular os antecedentes do acusado, não persiste razão para sua perpetuação em bancos de dados estatais.

[1] José Felix Alves Pacheco – Nascido em Teresina/PI, em 02 de agosto de 1.879, notável jornalista, poeta, escritor e político. Foi membro da Academia Brasileira de Letras. Diretor do gabinete de identificação da polícia civil do DF (RJ à época), influenciou ao então Presidente da República a introduzir no Brasil a identificação pelo método dactiloscópico criado por Juan Vucetich. Após ampla divulgação do novo sistema, participou de vários congressos internacionais alusivos ao modelo implantado no país. [2] Decreto 4.765, de 05 de fevereiro de 1903. “O Presidente da República do Estados Unidos do Brazil, usando da autorização concedida pelo artigo 14 da Lei 947, de 29 de dezembro do anno findo, resolve decretar que na Secretaria da Polícia do Districto Federal seja observado o no regulamento, que a este acompanha, assignado pelo Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores. Rio de Janeiro, 5 de fevereiro de 1903, 15º da República. Francisco de Paula Rodrigues Alves”. ..



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