CHEGOU ATRASADO
- jjuncal10
- 17 de abr. de 2023
- 2 min de leitura

RIBAMAR VIEGAS
ESCRITOR LUDOVICENSE
Uma hospitaleira cidade da Baixada Maranhense vestiu-se de amor e alegria para a comemoração dos vinte e cinco anos de sacerdócio do respeitável padre Ambrósio.
A Praça da Matriz, onde fora improvisado o altar-mor, botava gente pelo ladrão de tão cheia. O prefeito Sinduca Ferreira, o grande mentor da festa, não poupou recursos para o transporte de gente dos mais longínquos lugarejos. Ele sabia que, homenageando o boníssimo sacerdote, a popularidade dele também seria homenageada com muito mais votos, e as eleições já estavam batendo à porta.
A missa campal, celebrada pelo monsenhor Benevides, oriundo da capital, com direito a banda de música e salva de fogos de artifícios, transcorria dentro da normalidade quando uma inesperada indisposição intestinal fez o prefeito Sinduca Ferreira pedir, discretamente, licença e sair do altar para trancar-se no sanitário da igreja Matriz a alguns metros da praça. Com isso, o pomposo Sacramento transcorreu sem a presença efetiva do prefeito.
Após a missa, com o povão na praça já demonstrando impaciência com o prefeito que teimava em não voltar para fazer o seu discurso, o padre Ambrósio, com o intuito de conter o agito da caboclada, dirigiu-se ao microfone e adiantou a sua retórica. Disse o venerável padre diante da atenção de todos:
─ Meus queridos irmãos... Já se passaram 25 anos da minha chegada aqui e posso lhes dizer que a primeira impressão que tive desta cidade foi a pior possível! Lembro-me de que o primeiro rapaz a ter-se comigo confidenciou-me que iniciara a sua vida de delito roubando uma bicicleta, em seguida passou a roubar motos, canoas, carros... roubando inclusive dinheiro dos pais, tios e avós. Confessou também que, quando fumava maconha, relacionava-se homossexualmente com outros drogados e, até com as bezerras da fazenda do pai. Sinceramente, naquele instante, pensei que eu tivesse chagado ao inferno. Mas, com o passar do tempo, fui me certificando de que aquele rapaz não passava de uma exceção neste lugar. Para o meu alívio, ele sumiu da paróquia. Soube que foi estudar na capital. E hoje posso afirmar a todos que esta cidade é, acima de tudo, uma terra de gente ordeira, pacata, honesta, cristã e trabalhadora!
Nisso o prefeito retornou ao altar, juntando-se aos seus correligionários políticos, autoridades e à primeira dama, Dona Ziloca, que já não escondia sua irritação com a demora do ilustre esposo. O padre Ambrósio tratou de encerrar a sua oratória agradecendo as presenças, recebendo as merecidas palmas e, em seguida, passou a palavra ao gestor do município. Sinduca Ferreira estufou o peito e, em meio aos aplausos e apupos da multidão, iniciou o seu discurso mais ou menos assim:
─ Meus queridos conterrâneos! Parece ontem, mas já se passaram 25 anos da chegada a nossa querida cidade (pondo a mão no ombro do sacerdote) do nosso respeitável padre Ambrósio! E terminou assim:
─ Eu, ainda hoje, sinto um misto de honra e orgulho de ter sido o primeiro rapaz desta cidade a se confessar com o este venerável enviado de Deus ao nosso município. Viva as Bodas de Prata Sacerdotal do nosso querido padre Ambrósio!!
O que se ouviu foi: ôôôôôôôô... de decepção dos participantes da solenidade.
Sinduca Ferreira não só perdeu aquelas eleições, como teve que mudar-se para São Luís, alcunhado pelos seus patrícios de Boi Bicha.
(No que dá chegar atrasado).







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