
JOSÉ GERALDO GOMES
Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV (Faculdade de Direito de Vitória - 2011); Pós-graduação lato senso em Direito Penal e Direito Processual Penal, Direito Civil e Direito Processual Civil – Fundação Gildásio Amado - Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC). Graduação em Direito – Faculdade de Direito de Colatina/ES (atual Centro Universitário do Espírito Santo – 1.990)
CAPÍTULO II
SEGUNDA PARTE
Nessa mesma ótica, a tarefa dos bombeiros que não raro danificam bens materiais pela ação de jatos d’água imprescindíveis à extinção do incêndio, objetivando o salvamento de vidas humanas e demais bens patrimoniais das pessoas. Idem, pode-se dizer da intervenção médica quanto ao abortamento terapêutico ou necessário (art. 128, I, CP) levado a efeito quando não há outro meio de salvar a vida da gestante.
As situações hipotéticas sob comento indicam estado de necessidade de terceiro, sendo certo que “não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo”, a teor do art. 24, § 1º, CP. Este dispositivo legal está se referindo à omissão do agente imbuído de determinadas tarefas, dentre elas arrostar o estado de perigo, tal como acontece com os bombeiros, policiais, médicos e demais funcionários do serviço de saúde pública, os quais ficam expostos a contaminações viróticas e outras doenças contagiosas, dentre outras categorias de agentes públicos ou privados detentores de tais atribuições.
No que tange às pessoas detentoras de dever jurídico de agir, logo, obrigadas ao enfrentamento do perigo, merecem destaque aquelas tarifadas como garantidoras. Elas são reguladas pelo art. 13, § 2º, alíneas “a”, “b” e “c”, do CP, de tal modo que, mesmo diante de situação perigosa não podem alegar a excludente de ilicitude do estado de necessidade para se eximirem do dever de agir. Nesse caso, eventual omissão fatalmente levará à responsabilidade penal pelo resultado material daí advindo. É caso típico, em tese, de crime omissivo impróprio ou impuro.
Situação interessante poderia surgir concretamente, se o sujeito ostentando o dever de agir, preferisse a omissão alegando estado de necessidade. Isso ele não poderia fazer, pela proibição do § 1º do art. 24, CP, ao preconizar que “não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo”. Então, seria o sujeito obrigado ao próprio sacrifício? É óbvio que a obrigação de agir nesses casos deve conter os dois elementos normativos do dispositivo contido no art. 13, § 2º, CP. “A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. Se ele devia, mas não podia agir, sua omissão torna-se irrelevante. Logo, a questão seria solucionada na seara da tipicidade e não no campo da ilicitude. Sua omissão seria atípica, em face do elemento normativo “podia agir” que não se faria presente.
2.1.2 Legítima defesa
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Tem como pressuposto agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Trata-se de um revide dirigido ao injusto agressor, com o propósito e a necessidade de se defender ou defender a terceiro em situação semelhante e incapaz de arrostar o ataque injusto, atual ou iminente. Exigível que o sujeito alvo das agressões labore moderadamente usando dos meios necessários à sua defesa ou a de terceiro (1). Se a agressão for provocada ou motivada pelo agente que se diz agredido, afastada estará a excludente da ilicitude porque fora ele próprio quem deu causa ao ataque, de modo a considerar que quem agiu legitimamente fora o outro.
Em síntese, uma explicação sobre a distinção entre estado de necessidade e legítima defesa. O estado de necessidade tem como pressuposto situação de perigo atual, enquanto a legítima defesa pressupõe agressão injusta, atual ou iminente.
2.1.3 – Estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito.
Essa espécie de excludente de ilicitude desdobra-se em duas vertentes de equivalente importância no plano da descriminalização da conduta, quando e se enquadrar nos ditames legais pertinentes, à saber: uma de ordem cogente, impositiva, por referir-se ao pleno e regular cumprimento dos deveres funcionais, de regra, dirigida aos agentes públicos. Quando as leis ou regulamentos atribuem ao sujeito determinadas tarefas, às vezes no curso da execução da ordem legal emanada de autoridade competente ou em razão de ofício, pode caracterizar, ainda que por semelhança ou de forma interpretativa, condutas criminais.
Numa ordem de busca e apreensão; sequestro de bens; arresto; cumprimento de mandado de prisão; condução coercitiva; fechamento de estabelecimentos; suspensão ou afastamento do exercício do cargo; quebra de sigilos bancários, fiscais, telefônicos ou telemáticos, dentre outras, constata-se a coercitividade estatal levada a efeito por agente público, sem o consentimento do suposto ofendido. Isso levaria a crer que crimes estariam sendo praticados pelo servidor público encarregado das diligências, além daquele que emite a ordem. No entanto, se tais medidas são previstas em lei e realizadas em conformidade com ela, nenhum crime se atribui ao agente em vista do estrito cumprimento do dever legal. O que pode ocorrer é o excesso, a ser punido na forma da lei e dentro da órbita de culpabilidade de cada sujeito ativo. Veja-se que nessa modalidade de excludente de ilicitude, o pressuposto é um comando legal, uma obrigação de fazer ou não fazer alguma coisa. É uma ordem.
Quando se fala de exercício regular de direito, estamos diante de uma concessão, de uma autorização legal, de tal modo que ao invés de ordem, temos uma permissão ou, uma faculdade de agir. Em torno dessas espécies de excludentes, cite-se o artigo 301, do CPP. (2) Tratando-se de prisão em flagrante, a primeira hipótese é de flagrante facultativo, caso típico de exercício regular de direito. O particular não está obrigado a prender ninguém em flagrante delito, mas se quiser e achar conveniente poderá fazê-lo com amparo na lei. Essa mesma faculdade se estende à gestante que pretenda provocar ou autorizar o abortamento, cuja gravidez resulte de estupro, ou no caso de feto anencefálico. A segunda figura do artigo 301 do CPP espelha estrito cumprimento de dever legal, ao impor às autoridades policiais e seus agentes a obrigação de prender em flagrante o infrator da lei penal.
(1) Nesse sentido, o art. 25, CP – “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Parágrafo único – “Observados os requisitos do caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes”. (Alteração dada pela Lei nº 13.964, de 24/12/2.019) (2) Art. 301, CPP – “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”.






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