top of page
Buscar

DELÍRIOS


RIBAMAR VIEGAS

ENGENHEIRO DE PRODUÇÃO, TÉCNICO EM PONTES

E ESTRADAS, INSTRUTOR DE DIREÇÃO DEFENSIVA

E CONDUÇÃO, ESCRITOR.


Era uma questão de vida ou morte. Afinal, Esponjinha, Bafinho e Corta-Cana já haviam partido dessa para outra melhor, e todos de cirrose hepática. Restava Zequinha Funil, cuja barriga já estava esverdeada, braços finos, olheiras inchadas, cabelos ralos e pele escamosa. Zequinha Funil tinha consciência de que seria a bola da vez, se não pareasse com a cachaça.

O medo de morrer falou mais alto e Zequinha Funil partiu para o sacrifício. Só ele e Deus sabiam como foi penoso passar um mês sem bebericar uma dose se quer da branquinha. Em casa, todos colaboraram para o grande feito, escondendo álcool, amoníaco, biotômico, dissolvente, perfume, enfim, tudo que pudesse ser ingerido pelo etílico Zequinha Funil em substituição à cachaça.

Zequinha Funil teve alucinações, insônia, passamentos, tremedeiras, pesadelos.... Nos seus delírios, Zequinha Funil via garrafas de cachaças aladas voando sobre sua cabeça. Ele pulava, pulava, mas não conseguia alcança-las. Via barricas cheias de cachaça boiando na imensidão do mar e sobre alas, sorrindo felizes, Esponjinha, Bafinho e Corta-Cana, saciados, derramavam copos cheios de cachaça nas ondas, enquanto Zequinha Funil, sedento do precioso líquido, se via afogando tentando alcançar os parceiros de gole. Um horror!

Na noite em que completara um mês sem beber cachaça, deitou-se e conseguiu dormir mais tranquilo e sonhou. No seu sonho, Zequinha Funil entrava no Bar Canhinha ─ antigo boteco onde ele e seus parceiros enchiam a cara todos os dias – caminhou até o balcão e pediu uma pinga. Coxelo, proprietário de estabelecimento, apoiou-se nas muletas e, prontamente, o serviu. Aquela era dose de cachaça infinitamente mais desejada da vida do inveterado Zequinha Funil. Imagine, ele que nunca passara uma hora sem beber cachaça, naquele dia completava um mês sem fazê-lo. No seu sonho, Zequinha Funil chegou a levar o copo de cachaça à boca, mas resolveu, antes de beber, pedir limão para tira-gosto (petisco que ele sempre pedira nas suas cachaçadas e Coxelo nunca tivera para servi-los). No sonho, Coxelo abriu suavemente a geladeira, retirou o limão e, ao fechá-la, o fez com certa força, usando o pé da muleta: ploc! E esse ploc foi o suficiente para Zequinha Funil acordar do sonho mais emocionante da sua vida, emitindo um berro de lamentação que acordou, não somente todos da casa, mas o quarteirão inteiro:

− Poorrraaa, Coxelo!!! ─ Porque qui dessa vez teve a desgraça do limão???




 
 
 

コメント


bottom of page