
RIBAMAR VIEGAS
ESCRITOR LUDOVICENSE
Aproveito para pedir perdão ao doidinho João Pessoa pelo grande mal que lhe causei!
João Pessoa era um mulatinho de meia idade, cerca de 1,50m de altura. Andava sempre apressado, olhando para os lados como se estivesse precavendo-se para não ser surpreendido. Sabia-se, pelos quatro cantos da ilha de São Luís, que aquilo que João Pessoa deixara de crescer para cima havia crescido para baixo – talvez, por isso, nenhuma doida fora doida o suficiente para encarar um matrimônio com aquele privilegiado. O certo é que João Pessoa ficava furiosíssimo quando alguém gritava:
─ João Pessoa, tu não casas!!!
Nessas ocasiões, ele não somente jogava pedras, como também desfolhava o seu vasto repertório de palavrões.
E, para a molecada, provocar João Pessoa era uma tentação irresistível.
Dona Lilica, uma branca redonda, olhuda, feia pra chuchu e, ainda assim, tinha fama de esperta, era esposa do Mestre Bimbo que, além de um exímio capoeirista, era um musculoso estivador marítimo. Sem sombras de dúvidas, a figura avantajada do Mestre Bimbo servia para tornar Dona Lilica uma simpática e respeitável senhora.
Naquela tarde de domingo, Mestre Bimbo saíra de casa para torcer pelo seu time, o Vitória do Mar Futebol Clube. João Pessoa chegou e Dona Lilica já o esperava na área da casa. Como de praxe, o doidinho foi convidado a entrar, tomar banho e comer alguma coisa. Após receber a caridade de Dona Lilica, aquela prendada senhora o acompanhou até a rua. Na esquina, nós, os moleques do bairro – que até aquele dia respeitávamos a presença da mulher do Mestre Bimbo –, aguardávamos ansiosos pela volta de João Pessoa para provocá-lo. Eis que surgiu Mestre Bimbo descendo a rua com os seus 110 quilos de músculos e idem de arrogância, metido no seu costumeiro paletó de linho belga branco, sobre a cabeça o seu inseparável chapéu Panamá quebrado na testa, com a cara cheia de meladinha (tequila com mel de abelha) e enfezado com mais uma derrota do time da estiva marítima. Dona Lilica e João Pessoa não deram conta da aproximação do irado estivador.
Quem gritou fui eu:
─ João Pessoa!!... Tu não casas!!!
Pronto. O doidinho João Pessoa jogou tudo para cima e, totalmente possesso, debulhou o seu rosário de palavrões:
─ Quem não casa é a tua mãe, sem fdp!!!... (e tome pedra);
Mestre Bimbo apressou os passos e, tal qual um felino, alcançou João Pessoa polo colarinho da camisa. Dona Lilica, surpreendida, não arriscou interferir. O furioso estivador sacolejou o coitado do João Pessoa, trouxe-o cara a cara, olho no olho e berrou:
− Agora, seu safado, tu vais me dizer direitinho... João Pessoa, por que tu não casas???... Diz!!!
João Pessoa, com os pés fora do chão, cabeça caída para um lado, balbuciou apontando para Dona Lilica:
─ Eu não caso porque ela não deixa!...
Mestre Bimbo soltou João Pessoa, que caiu estatelado no chão e rosnou para a mulher, que estava mais branca do que uma vela:
─ Vamos entrar, minha branca... esse é doido de verdade!
A partir desse dia, João Pessoa nunca mais apareceu no bairro do Apeadouro para receber a caridade da prestimosa Dona Lilica que, nas tardes de domingo − após as saídas do marido para o futebol – passou a plantar-se na porta da casa com olhar comprido para a estrada de ferro por onde João Pessoa costumava chegar. Que maldade minha para com o doidinho João Pessoa!... Onde você estiver João Pessoa, me perdoe! Quanto a Dona Lilica, nenhum remorso.






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