JOFRINHO MAU-CARÁTER
- jjuncal10
- 11 de jul. de 2022
- 4 min de leitura

RIBAMAR VIEGAS
ESCRITOR LUDOVICENSE
Os pais diziam que não passava de mera ingenuidade. Os vizinhos afirmavam que era inconveniência pura. O certo é que, do nada, Jofrinho conseguia criar uma baita situação de constrangimento para os outros.
Ainda menino, em Altos, no interior do Piauí, onde nasceu, Jofrinho, no meio de uma aula do curso primário, levantou a mão e perguntou:
─ Professora, padre namora?
─ Padre não deve namorar. A igreja católica não permite – respondeu a professora. Mas por que essa pergunta agora, Jofrinho?
─ Ontem eu vi a senhora passeando de carro com o padre Carlos.
Os coleguinhas de Jofrinho caíram nas gargalhadas, enquanto a professora, angustiada, apressava-se em esclarecer:
─ Pois fique sabendo, seu Jofrinho, nem sempre um casal a passear de carro está namorado... E a sua pergunta foi muito maldosa para uma criança da sua idade. Procure ocupar mais sua atenção nas aulas, brincar com crianças da sua idade, respeitar os mais velhos e ir às missas aos domingos. Jofrinho deu uma gargalhada.
Em Teresina, no primeiro dia de aula do curso ginasial, a professora de português, uma senhora de cor branca, fez questão de apresentar à turma os seus filhos gêmeos, Balbina e Bitônio, os dois de cor parda.
Jofrinho levantou a mão pedindo a palavra e fez o seguinte discurso:
─ Aqui no Piauí, professora, se toda pessoa com poder aquisitivo fizesse como a senhora – adotasse −, certamente não teríamos mais meninos de rua...
A professora, num misto de indignação e constrangimento, retomou de imediato a palavra, esclarecendo:
─ Saiba, rapaz, que meu querido esposo é um homem de cor escura e tanto Balbina como Bitônio são meus filhos legítimos e formamos uma família muito feliz. Os trinta e quatro alunos da classe ficaram constrangidos, menos um: Jofrinho, que riu debochadamente.
Na sala de projeção de um cinema, um casal sorridente sentou-se ao lado de Jofrinho. O homem com barba e a mulher de aparência jovial, Jofrinho logo estragou o momento de felicidade daquele par, perguntando:
─ Ele é seu pai? ...
─ Não! Sou esposa dele – respondeu a mulher indignada, trocando de lugar com o marido.
Jofrinho sorriu. Ele era de rachar a cara de qualquer um de vergonha, menos a dele. Para Jofrinho, constrangimento dos outros não passava de uma boa piada. Motivo de boas risadas.
Contudo, Jofrinho carregava consigo uma grande virtude. Era estudioso. Um verdadeiro CDF. Gostava de ler e passava boa parte do seu tempo ouvindo música. Orgulhava-se de nunca repetir um ano escolar e de conhecer muitas composições musicais dos grandes compositores populares brasileiros.
Ainda em Teresina, após concluir o segundo grau, Jofrinho foi aprovado num concurso para auxiliar administrativo em uma grande instituição bancária.
No seu primeiro dia de experiência no banco, o gerente reuniu o pessoal da agência para apresentar Jofrinho, o novo provável colega de trabalho. De súbito, adentrou-se ao ambiente uma importantíssima diretora do Banco que estava de passagem por Teresina. A distinta senhora, sentindo que se tratava de uma cerimônia, gentilmente falou:
─ Continuem. Não estou aqui para interromper. Pelo contrário, gostaria de ouvi-los. Depois darei o meu recado.
O gerente da agência, claro, aproveitou para fazer sua média, apresentou e saldou a visitante:
─ Senhores, eis a Dra. Gení Calmon, nossa ilustríssima diretora administrativa, a quem desejamos uma boa estada na nossa cidade e para a quem eu peço uma salva de palmas. A diretora ainda agradecia a calorosa recepção, quando Jofrinho, como era do seu feitio, levantou a mão pedindo a palavra. Logo todas as atenções se voltaram àquele novato.
─ Meu nome é Jofre Cantanhedes Farias. Em sua homenagem, eu gostaria de fazer uma apologia do seu nome com uma obra prima do grande cantor e compositor Chico Buarque de Holanda! ...
─ Fique à vontade – respondeu a simpática senhora, cheia de expectativa.
─ E Jofrinho lascou:
“ ...joga pedra na Gení.
Joga bosta na Gení.
Ela é feita pra apanhar,
Ela é boa de cuspir.
Ela dá pra qualquer um.
Maldita Gení! ...”
O silêncio foi sepulcral. Todos pairaram constrangidos, boquiabertos, pasmos, perplexos.... Até que foi ouvida a voz da indignadíssima diretora Geni Calmon, dirigida a Jofrinho:
─ Considere-se não admitido no nosso Banco. E, por favor, suma da minha frente imediatamente antes que eu acione o manicômio... seu sujeitinho insensato!!
Como se nada de anormal tivesse acontecido, Jofrinho saiu às gargalhadas da agência bancária, apesar das vaias, apupos e até empurrões. Sem dúvida, que se tratava de um mau-caráter incompossível... Pais, professoras, pessoas mais velhas, todos que tentaram condicionar a índole maldosa de Jofrinho transformaram-se nos seus alvos de gozações e embaraços. Ele já era considerado um caso sem solução.
Foi em frente a uma Delegacia de Polícia. Jofrinho, ao cruzar com uma senhora grávida, apontou para a barriga da mulher e, sem o menor pudor, indagou:
─ A senhora “coisou”, né?!
A resposta a Jofrinho veio por trás, acompanhada de um tapa que o jogou ao chão:
─ Respeita, cabra safado! – Esbravejou o marido da gestante. Em seguida, o homem, que era o delegado daquela Delegacia de Polícia, algemou Jofrinho e joga-o numa cela cheia de marginais, denominada de Covil das Onças.
No dia seguinte, Jofrinho, o mau-caráter, amanheceu no bagaço, choramingando, sentando de ladinho. O delegado “justiceiro”, no momento da soltura, fez questão de devolver-lhe a pergunta:
─ Coisaram contigo, né, caba safado? .... Some daqui, que eu não gosto de choro de baitola! ...
Depois dessa Jofrinho Mau-caráter encarnou o pacífico transformista Das Dores, e passou a rodando sua bolsinha em frente ao Estádio Lindolfo Monteiro nas noites calorentas da cidade pioneira.
(Quando pais e mestres não conseguem, o mundo se encarrega).







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