O APOSENTADO E O DOMINÓ
- jjuncal10
- 28 de mai. de 2022
- 3 min de leitura

RIBAMAR VIEGAS
ESCRITOR LUDOVICENSE
Durante a festinha de comemoração da justa aposentadoria do metalúrgico Florisvaldo Pinheiro, Seu Flor, como era conhecido, a conversa era uma só: − se ele dispondo de tão pouco tempo (trabalhava em sistema de turno) para Dona Santinha, a esposa, eles viviam às mil maravilhas, doravante, então, que ele teria todo tempo disponível só para ela, a vida dos dois seria aquele mar de rosas!
Só que a coisa não foi bem assim.
Os primeiros dias de “coçação” até que o recém-aposentado tirou de letra dedicando-se aos afazeres da casa. Pintou, retocou, limpou, tirou goteiras e ainda dava uma mãozinha na cozinha. Dona Santinha era só satisfação:
─ Flor, você pode compor a mesa para o almoço?
─ Claro, Santinha, claro!
─ Flor, eu lavo os pratos e você enxuga, certo?
─ Certo!
Passados quatro meses de aposentado, o tédio da ociosidade deu um empurrãozinho, e Seu Flor passou a sair de casa após o café da manhã e só voltar na hora do almoço. Dona Santinha deu os primeiros sinais de preocupação com o marido.
─ Flor, pode me dizer aonde você está indo todas as manhãs até esta hora?
─ Na venda do Mundico, rolar um dominozinho para matar o tempo, mulher, só isso.
Já se fazia notar, até pelo bafo, que, entre um passe e uma batida no dominó, o novo aposentado estava bochechando umas e outras, daí a preocupação da esposa.
Com seis meses de aposentado, Seu Flor já era figura imprescindível nos meios “birísticos” do bairro onde morava. Era boa paga. Portanto, tinha cadeira cativa nas mesas de dominó em todos os botecos do lugar.
Dona Santinha já não era mais a mesma:
− Flor, será que já não é hora de você dar um basta nesse dominó? Ontem você não almoçou e nem jantou por causa desse maldito jogo! ....
− Quem?... Eu?... Foi?... Pois vou comprar um peixe para fazer uma moqueca e tirar a forra no almoço de hoje!
Com esse propósito, o aposentado Flor saiu de casa pela manhã e só se lembrou de peixe, às seis da tarde, quando ouviu a voz de um menino ecoar no boteco de Mundico:
− Olha o peixe!... Olha o peixe!... Só tem esse!... Quem vai querer essa beleza?...
─ Quanto custa? – Perguntou Seu Flor, após rolar uma bucha de quadra e jogar mais uma cachaça goela abaixo.
─ Cinquenta reais – respondeu o garoto exibindo o belo peixe.
─ Tome o dinheiro, embrulhe o peixe e pode deixar aí no balcão.
Já passava das oito da noite quando Seu Flor, de cara cheia, chegou a casa, com o peixe debaixo do braço, embrulhado num jornal.
Dona Santinha já não fazia jus ao nome:
─ Bonito! Muito bonito! Depois de velho, irresponsável e mentiroso!
─ Alto lá! Mentiroso, não! Saí para comprar peixe, e taqui o peixe – retrucou o ex-metalúrgico entregando o embrulho à mulher.
Ele não andou três passos em direção ao banheiro e viu o peixe espatifar-se contra a parede à sua frente.
─ Esse peixe, seu cachaceiro, só quem come é você e seus parceiros de dominó! ─ berrou a pobre mulher, desapontada.
Só aí Seu Flor se tocou que trouxera para casa um peixe de gesso. Desses que só servem para enfeitar parede.
Com pouco mais de um ano de aposentado, o jogo de dominó regado a pinga no boteco de Mundico tornara-se uma obsessão no cotidiano de Seu Flor. E as brigas do casal também viraram rotina.
Até que, ao completar dois anos da aposentadoria de Seu Flor, aquele que fora bom marido, bom pai e bom avô saiu de casa pela manhã, dessa feita para pagar as contas de água e luz e, como de costume, caiu no dominó. Passava da meia noite quando ele cedeu aos insistentes convites dos parceiros de jogo e, pela primeira vez, foi parar num puteiro. Lá conheceu Zumira a quem, intuitivamente, apelidara de ás de branco, correlacionando uma vista perdida da prostituta com a pedra do dominó. Gostou tanto da cabrocha que só voltou para casa à tarde do dia seguinte, sem dinheiro, sem pagar as contas de água e luz e numa ressaca memorável.
Dona Santinha, que já era o próprio capeta em figura de gente, colocou a mala de Seu Flor fora da casa e apelou para tudo ou nada:
─ Seu cachaceiro, cretino, sem vergonha!... Pra mim chega!... Agora você decide!... Ou eu ou esse maldito dominó!?...
─ Para desapontamento maior da pobre mulher, Seu Flor pegou a mala e respondeu sem titubear:
− O dominó!!






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