O DIREITO PENAL COMO GARANTIA DE LIBERDADE - CONTINUAÇÃO
- jjuncal10
- 16 de dez. de 2022
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Delegado de polícia do estado do Espírito Santo-aposentado; ex-professor de Direito Penal e Processual Penal, pelas Faculdades de direito do Centro Universitário do Espírito Santo: graduação e pós-graduação, anos 1998 a 2004:
Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Novo Milênio, em Vila Velha/ES; professor de Direito Penal e Processo Penal, Criminologia, Execução Penal- Faculdade São Geraldo, posteriormente Faculdade Multivix em Cariacica/ES.
PARTE 1
Na edição anterior, comentávamos sobre os instrumentos legais garantidores de liberdade no contexto do direito penal e, no direito processual penal, a serem focados a posteriori, cuja tarefa retomaremos a partir deste ponto.
Para tanto, será empregado o método dialético, com exploração bibliográfica, cujo referencial teórico será o garantismo penal defendido por Luigi Ferrajoli em sua obra “Direito e Razão”, dentre outros doutrinadores. Em contraponto a esse posicionamento libertário ou despenalisador, merece análise o complemento dos ideais da “Teoria das Janelas Quebradas[1]” e o Direito Penal do Inimigo, suporte do Movimento de Lei e Ordem de Günther Jacobs, para quem o violador da norma se apresenta como inimigo da sociedade e do Estado, portanto, carecedor de tratamento mais rigoroso. Nesse sentido, deve-se punir as infrações mais leves e de menor potencial ofensivo, de modo a dissuadir o agente a trilhar os caminhos da criminalidade violenta, numa progressão irreversível na órbita da criminalidade a que dera início, podendo dela abster-se, em face ao livre arbítrio do qual era detentor.
[1] A Teoria das Janelas Quebradas surgiu originariamente do experimento do psicólogo Phillip Zimbardo, da Universidade de Stanford. Em 1.969 o psicólogo e sua equipe deixaram dois carros idênticos, da mesma marca, modelo e cor, abandonados na rua. Um carro ficou no Bronx, bairro localizado em uma zona pobre e conflituosa de Nova York e o outro em Palo Alto, zona rica e tranquila da Califórnia. Dois carros idênticos abandonados, dois bairros com população muito diferentes e uma equipe estudando as condutas das pessoas em cada local. O resultado já foi apresentado: o carro abandonado no Bronx começou a ser vandalizado em poucas horas. As rodas foram furtadas, depois o motor, os espelhos, o rádio etc. Levaram tudo o que fosse aproveitável e aquilo que não puderam levar, destruíram. Já o carro abandonado em Palo Alto manteve-se intacto. Mas a experiência não terminou aí. Os pesquisadores quebraram um vidro ao automóvel de Palo Alto para ver se isto impactaria de algum modo o experimento. O carro de Bronx já estava desfeito, e o de Palo Alto já se conservava há uma semana. Com a quebra do vidro, foi desencadeado o mesmo processo de furto e depredação. Por que o vidro quebrado no veículo abandonado num bairro supostamente seguro foi capaz de desencadear todo um processo de delitos? Evidentemente, não foi devido à pobreza. Baseada nessa experiência, desenvolveu-se a Teoria das Janelas Quebradas. Ela começou a ser desenvolvida em 1982, quando o cientista político James Q. Wilson e o psicólogo criminologista George L. Kelling publicaram um estudo na revista Atlantic Monthly. Para os autores, a janela quebrada fomenta uma impressão de impunidade, de desleixo, que favorece o criminoso e sua ação.
Como pesquisa jurídica, pretende-se demonstrar a relevância do trabalho na dinâmica acadêmica, sobretudo no aporte à formação dos futuros bacharéis e porque não dizer, à revisitação, pelos operadores do direito penal e processual penal, a temas específicos, selecionados e aglutinados. Além do mais, que sejam relevantes para a construção defensiva e compreensão axiomática desses elementos fundamentais, cada um a seu tempo e modo, conforme o caso concreto.
Hipoteticamente o estudo vislumbra um aparente paradoxo entre as reais funções do estado com suas regras normativas destinadas à tutela dos bens jurídicos, quando, e se, de afogadilho compreender esse mesmo poder soberano ora prevenindo, ora reprimindo as infrações penais e concomitantemente protegendo o suposto criminoso, de forma equivocadamente permissiva, sob uma perspectiva desavisada do cidadão leigo, imbuído do senso comum sedento de vingança e imediatismo.
Tal sensação encontra justificativa, em tese, à custa de experiências traumáticas vividas à mercê da criminalidade, sob o olhar complacente do estado, órgão responsável pela tutela penal e pelo bem comum do povo, que de um modo ou de outro, se omite ou retarda ao máximo a sua manifestação efetiva, frente à ilicitude corriqueiramente perpetrada contra o cidadão desprovido de voz e de vez. No entanto, esse mesmo cidadão-vítima sustenta a máquina pública com seus pesados tributos, razão suficiente para reclamar proteção estatal em face dos seus direitos subjetivos, diuturnamente violados pela marginalidade violenta.
Por mais estranho que possa parecer, o estado, em suas múltiplas funções, investigativa, acusatória e julgadora, encarregado de aplicar e fazer cumprir as sanções penais impostas, ainda disponibiliza ao acusado os meios legais e todo o aparato de defesa, a exemplo das defensorias públicas e a figura do defensor dativo, nas comarcas carentes daquele órgão defensivo.
Emerge, no entanto, uma razão e fundamento para tudo isso: a cautela necessária a evitar imposição de pena à pessoa inocente e desprotegida. A injusta lesão ao bem jurídico do acusado no plano da liberdade, em casos dessa natureza, seria irreversível. Daí a prudência nas questões apuratórias e punitivas em matéria criminal. A perda da liberdade, ainda que por momentos, afigura-se como dano irreparável. Além do mais, não se descarta o grave risco da incriminação de pessoa inocente, e consequente aplicação de pena, quer em relação à pessoa do investigado, quer em relação ao “quantum” da reprimenda.
Preocupado com a preservação dos direitos fundamentais de liberdade e dignidade da pessoa humana, o constituinte originário assegurou que nenhuma pessoa poderá ser processada nem condenada sem defesa técnica. Faz parte do plexo garantista, o sistema processual acusatório, com assento no art. 5º, LV, CF que textualmente prescreve: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Por isso, se o acusado não puder suportar os encargos financeiros referentes aos honorários advocatícios, o próprio poder público se lança em sua defesa, por meio da defensoria pública ou de defensor dativo. Registre-se, de plano, que o fim do estado é a realização da justiça e não a vindita. Fazer justiça, nesse contexto, significa entregar a cada um aquilo que lhe pertença. A vindita, por sua vez, se traduz em vingança pública, quando emana dos órgãos públicos. Enquanto a primeira deva se firmar na razão e nos fins sociais a que se destinam as leis, a segunda vem permeada de paixão ou ódio, sem qualquer utilidade razoável e admissível no âmbito de um estado democrático de direito. Justiçamento não combina com democracia, nem com a razão. Por conseguinte, integra a essência da barbárie e da desumanidade. Não sem razão, que constitui crime “fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embota legítima, salvo quando a lei o permite...” Art. 145, CP.
Feitas estas considerações introdutórias, cabe ressaltar que a proposta deste trabalho, eminentemente acadêmico e didático é selecionar os diversos institutos jurídicos favoráveis ao acusado, de modo a destacar de forma clara e objetiva os caminhos a trilhar, em busca daquilo que o próprio direito reserva ao réu em termos da plenitude de defesa, tanto no campo do direito material quanto no processual.









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