
JOSÉ GERALDO GOMES
Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV (Faculdade de Direito de Vitória - 2011); Pós-graduação lato senso em Direito Penal e Direito Processual Penal, Direito Civil e Direito Processual Civil – Fundação Gildásio Amado - Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC). Graduação em Direito – Faculdade de Direito de Colatina/ES (atual Centro Universitário do Espírito Santo – 1.990)
PARTE 6
CIRCUNSTÂNCIAS
Em termos de circunstâncias, duas importantes vias de acesso à defesa do acusado, no plano do caso concreto. Apresentam-se, as circunstâncias judiciais e as legais as quais influenciarão profundamente na dosimetria da pena, quer em benefício do acusado, quer em seu desfavor, conforme sejam elas, atenuantes ou agravantes; causas de diminuição ou aumento de pena, além da figura privilegiada ou das qualificadoras, conforme o caso. As circunstâncias guardam estreita relação no campo da tipicidade.
De retorno à tipicidade da conduta, ou seja, aquela descrição que atribui qualidade ao fato constante do preceito primário da norma penal incriminadora, outros institutos jurídicos sobressaem em defesa do agente. Com destaque a (1) desistência voluntária e o arrependimento eficaz, ambos com a força viva de operar a atipicidade relativa ou desclassificação da conduta, permitindo a exclusão do delito na forma tentada, para atribuir, ao agente, a responsabilidade pelos fatos anteriormente praticados. (1) Art. 15, CP – O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.
Pode-se dizer que o agente ao iniciar a execução de um crime de homicídio, podendo continuar com as agressões, se desistir voluntariamente de prosseguir na execução, impedindo a produção do resultado naturalístico, não responderá por tentativa de homicídio, mas por lesão corporal, cuja classificação de natureza leve, grave ou gravíssima, ficará a cargo da conclusão dos exames traumatológicos. A depender do laudo pericial, quanto à classificação das lesões, o agente responderá na forma do art. 129, caput, no caso de lesões leves, ou nos §§ 1º lesões graves e 2º lesões gravíssimas, do art. 129, CP.
Do mesmo modo, aquele que adentrar residência alheia na intenção de praticar furto, iniciada a execução e voluntariamente desistir, sem a consumação do resultado danoso ao patrimônio da vítima, restará imune à sanção cominada à tentativa de furto, e só responderá pelos atos já praticados, que poderão incidir em Violação de Domicílio. Em ambos os exemplos se constata a atipicidade relativa ou desclassificação do delito para outro de menor gravidade.
Na mesma linha de pensamento vem o (2) arrependimento posterior, como causa geral de diminuição de pena de um a dois terços, na hipótese de prática de crime sem violência ou grave ameaça à pessoa, se o agente, depois de consumado o crime, porém, antes do [1]recebimento da denúncia ou queixa, voluntariamente restituir a coisa ou reparar o dano causado, à luz do art. 16 do código penal vigente. Esse instituto jurídico guarda perfeita adequação aos delitos de natureza patrimonial, mormente ao se referir à restituição da coisa. Só se restitui aquilo de que se apoderou, danificou, destruiu ou desviou.
Já a reparação do dano pode ocorrer quando atingida a coisa, por subtração, apropriação indevida, aquisição fraudulenta ou por receptação, ocultação, ou dano, torne impossível a sua restituição pelo desvio, depreciação, destruição ou perecimento do bem material. Ainda seria possível reparação de danos em outros delitos, quando a lesão ao bem jurídico tiver natureza moral.
A responsabilidade penal na seara da tipicidade pode ser excluída ainda pelo rompimento do nexo de causalidade. Assim dispõe o art. 13, do CP que “o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa”. E prossegue a norma penal explicativa: “Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. [2] Nota. Denúncia, no sentido técnico-jurídico vem a ser a peça inicial acusatória, de autoria do Ministério Público, nos delitos de ação penal pública. Queixa, ou queixa-crime é a peça inicial acusatória, de autoria do querelante (ofendido ou seu representante legal), nos crimes de ação penal exclusivamente privada. Vale dizer, ação penal de iniciativa exclusivamente do particular, ou excepcionalmente em ação penal privada subsidiária da pública, o que ocorre quando em crimes de ação penal pública, o seu titular, no caso o representante do Ministério Público, não propõe a seu tempo, a ação penal pública oferecendo a denúncia, sem razão justificada. O que é muito raro acontecer. Recebimento da denúncia ou queixa significa juízo de admissibilidade da acusação. Materializa-se com o despacho judicial admitindo a respectiva ação penal.
Entende-se como nexo de causalidade, o liame, ou elo estabelecido entre a conduta do agente e o resultado naturalístico ou material produzido. Rompido esse vínculo não persistirá razão para se atribuir as consequências jurídicas advindas com o resultado produzido, até porque ocorrera verdadeiro divórcio na estrutura do fato típico. Desse modo restaria ao agente a responsabilidade pelos atos anteriormente praticados.
Esse fenômeno encontra abrigo na hipótese do § 1º do art. 13 do CP, ao equacionar a questão da superveniência de causa relativamente independente. Assim preceitua o dispositivo legal em foco: “a superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”. Trata-se de verdadeira atipicidade relativa ou desclassificatória da infração penal a priori apontada.
Não se esgota por aí. O § 2º, em suas alíneas “a”, “b” e “c” detalha a tipicidade por omissão. Elenca casos típicos dos delitos omissivos impróprios ou impuros, em que o omitente figura como garantidor do bem jurídico e queda inerte diante da situação de perigo, quando tinha o dever jurídico de impedir a ocorrência do resultado danoso. Preferível a expressão “dever jurídico” que é mais abrangente que dever legal, a considerar que a obrigação de agir decorre tanto da existência de texto legal, como de outra forma, ainda que graciosamente, nos casos de alguém que assume a responsabilidade pela guarda, vigilância ou proteção, ainda que momentânea, de criança ou qualquer outra pessoa incapaz de defender-se de situações de perigo.
Cite-se ainda, as condutas anteriores do sujeito que tenham a probabilidade de criar situação de risco efetivo à vítima. Por exemplo, a queima de lixo ou qualquer material combustível com capacidade de propagar incêndio expondo a perigo concreto à vida, saúde ou patrimônio de pessoas. O banhista que induz ou instiga alguém a nadar, sem saber se a pessoa domina a técnica da natação, e quando em estado de perigo não atua para impedir afogamento, dentre outras situações equivalentes.
A relevância penal da omissão se estabelece “quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado”, e prossegue estabelecendo que “o dever de agir incumbe a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância”. Também obriga à tomada de medidas concretas quando de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado. Numa terceira ordem de comando em face do omitente, a omissão importaria conduta típica atribuída ao sujeito que “com o seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado”.
Neste ponto vislumbra-se mais uma forma de atipicidade da conduta, diante da possibilidade concreta de exclusão do elemento normativo do tipo. Veja-se que a omissão somente se constitui penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar a ocorrência do resultado. Às vezes o agente devia, mas não podia agir. Se não podia agir, o fato padece de tipicidade. É o caso do crime de omissão de socorro tipificado pelo art. 135, do CP, ao definir como crime a conduta omissiva de alguém que: “deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo, sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo, ou em grave e iminente perigo” [...]. Ainda, no Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97) artigo 304, “deixar o condutor de veículo, na ocasião do acidente, de prestar imediato socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade pública.” Diante da ausência de quaisquer dos elementos constitutivos do tipo penal, seja pela impossibilidade de agir, seja pela probabilidade de risco pessoal do omitente, não há outro caminho a seguir, que não seja o reconhecimento da exclusão da tipicidade da conduta, por consequência, excluiria o próprio delito.
Continua na próxima edição





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