O GUARDA RODOVIÁRIO DE CAXUXA
- jjuncal10
- 19 de mar. de 2022
- 4 min de leitura

RIBAMAR VIEGAS
ESCRITOR LUDOVICENSE
Caxuxa era um ponto obrigatório de passagem de veículos com destino à região do arroz, no Maranhão.
O lugar se resumia em duas dezenas de casas de taipas cobertas com palhas de pindoba, um posto de abastecimento de veículos com restaurante e o Posto Rodoviário do Estado, com uma cadeia em anexo.
Naquela ocasião, era obrigatório, nos caminhões de cargas, a permanência de um lampião vermelho como assessório de sinalização, hoje substituído por triângulo refletivo.
Havia um guarda rodoviário em Caxuxa que ficara famoso pra aquelas bandas do Nordeste por nunca deixar de multar um caminhão que passasse no seu posto de serviço. Ozorino da Conceição era o nome da fera. Preto, pouco mais de 1,50m de altura, usava óculos escuros que lhe ocultavam uma vista perdida. Todos sabiam que multar para Ozorino era uma obsessão. Ele sempre achava uma irregularidade para aplicar uma multa. O cabra parava o caminhão, e ele inspecionava meticulosamente detalhe por detalhe da documentação, das condições do veículo, da compostura do motorista, e sempre achava uma irregularidade que justificasse a multa:
─ Sua documentação está correta, mas, no seu caminhão, faltam as lameiras traseiras... Multa!
─ A documentação e o caminhão estão perfeitos, mas o senhor está dirigindo com sandália de dedo... Multa!... E aqueles que tentaram suborná-lo conheceram a cadeia de Caxuxa sob a mira do tresoitão de Ozorino.
Zifa de Nana, piauiense da gota, cabra mais teimoso do que jumento empacado, apostou um dos seus três caminhões Chevrolet Brasil do ano, como passaria no Posto Rodoviário de Caxuxa sem ser multado por Ozorino. Dizia Zifa:
─ Maxtá! O meu caminhão é novin, a papelada tá in riba, não guio nu nem descalço, quero ver esse peste me multar!
Zifa carregou um dos seus caminhões em Campo Maior, no seu Estado, levou o seu opositor de aposta na cabina e, após um dia de viagem, estava ele no Posto Rodoviário de Caxuxa, sob a inspeção rigorosa de Ozorino da Conceição:
─ Documentação?.. Em dia!
─ Condições do caminhão?... Perfeitas! Tudo novo!
─ Zifa de Nana?... Devidamente calçado e vestido!
Para surpresa do caminhoneiro, Ozorino lhe comunicou:
─ O senhor está multado! O seu caminhão está sem o lampião!
Zifa de Nana sentiu que estava diante de uma parada duríssima, e esquecer aquele pequeno detalhe lhe custara, além da multa, a perda de um dos seus três caminhões.
Como já era esperado, Zifa de Nana não se deu por vencido e garantiu:
─ Vou passar naquela “bustica” sem pagar multa ou não me chamo Zeferino de Albuquerque, filho de Nonata de Albuquerque (pai ele não sabia quem era).
Zifa carregou outro caminhão no mesmo depósito em Campo Maior, comprou um lampião novo e repetiu a aposta. No dia seguinte, estava ele e seu opositor da aposta de volta ao Posto Rodoviário de Caxuxa sob a meticulosa vistoria do guarda Ozorino da Conceição:
─ Documentação?... Em dia!
─ Caminhão?... Tudo funcionando!
─ Zifa de Nana no volante?... Devidamente composto!
─ Lampião novo pendurado no fundo da carroceria!...
O insistente piauiense quase foi à loucura quando ouviu daquele Guarda Rodoviário:
─ O senhor está multado! O lampião do seu carro está sem querosene!
Zifa imaginou estar diante do capeta disfarçado de guarda rodoviário.
Esquecer aquele insignificante detalhe lhe custara mais uma multa e a perda de outro caminhão.
Impulsionado pela sua reconhecida teimosia, Zifa de Nana retornou a Campo Maior, fez a carga do caminhão, encheu o lampião de querosene e, pela mesma proeza de passar no Posto Rodoviário de Caxuxa sem ser multado, apostou o seu terceiro e último caminhão.
─ Agora quero ver se esse filho d´uma égua pede ou não pede o pinico! Desta vez, ele vai multar a pqp – esbravejava o persistente caminhoneiro.
Zifa de Nana chegara à noitinha a Caxuxa e se submetia a minuciosa inspeção do guarda Ozorino da Conceição. Pensava Zifa, ao pressentir a inquietação de Ozorino espiando em volta do seu caminhão:
─ Agora recupero pelo menos um dos meus caminhões perdidos nas apostas anteriores e, o mais importante, acabo de uma vez por todas com essa hegemonia desse guarda de merda metido a Caxias!
─ Documentação, funcionamento do caminhão, postura do motorista, lampião com querosene... Não havia mais nada para inspecionar. Tudo estava perfeito. Pela primeira vez o obcecado Ozorino da Conceição sentiu-se embaraçado.
Só lhe restava liberar aquele maldito caminhão a encarar a vulgaridade de ser um guarda rodoviário como outro qualquer. Sentia-se como uma donzela a perder a virgindade numa relação indesejada.
Enquanto isso, sentado na cabine do caminhão, Zifa de Nana já curtia o seu grande feito colocando um cigarro no canto da boca e oferecendo outro a Ozorino – que recusou – e, debochadamente, solicitou ao desconsolado guarda rodoviário que acendesse o seu cigarro.
Ozorino, aí, respirou fundo. Levantou a cabeça, acendeu o cigarro de Zifa e justificou triunfante:
─ Parece que o senhor está sem fósforo... e sem fósforo não pode acender o lampião... e lampião apagado não sinaliza nada!...
Portanto, Multa!!!







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