“O VELÓRIO DE INOCENTO”
- jjuncal10
- 9 de set. de 2023
- 4 min de leitura

RIBAMAR VIEGAS
ESCRITOR LUDOVICENSE
Por motivos óbvios, os nomes dos personagens deste conto são fictícios. Não lembro o ano. O bar era SABOR & CIA na Praça Cel. Zeca Leite (Praça da Prefeitura), em Brumado-BA. Nas segundas-feiras, por volta das 20h às 22h, Zé, Tom, Di e eu, ocupávamos uma mesa do referido bar, próxima à mureta da frente, de onde apreciávamos o movimento da praça, contando piadas, relembrando filmes memoráveis, textos relevantes, cordéis educativos, músicas populares para a posteridade, bons programas televisivos de humor, grandes acontecimentos esportivos, tradições festivais, documentários e, lógico, bebericando cerveja e petiscando saborosos tirando-gostos. Sem dúvida, um prazeroso programa cultural. Mais que isso, uma ótima terapia, pois nos esquecíamos até das dívidas.
Lembro-me de que, numa daquelas noites de segunda-feira, o petisco era um camarão “metido a besta” (no alho e azeite, molho branco... coisa do amigo Tom que é praiano). Quando a majestosa travessa com o camarão foi colocada na mesa, encostou-se à mureta do bar, sorrindo para a gente, o doidinho Antônio que perambulava pelas noites naquela praça. Apesar da dicção grave e quase inaudível, deu para entender que Antônio queria também comer do camarão. Foi solicitado mais um prato, e, Antônio, sem nenhuma cerimônia, virou a travessa do camarão quase toda no prato dele sobre à mureta.
– Tom, com muita “diplomacia”, argumentou:
─ Pô, Antônio, tu gostas muito de camarão, né? ...
− Muuuiito!!! – Respondeu o doidinho Antônio com uma debochada gargalhada, de quem levou vantagem.
─ Mas nós também gostamos de camarão! – Voltou a argumentar o perplexo Tom!
─ Mais do que eu, duvido! – Bradou o doidinho Antônio virando-se de costas, do lado de fora do bar, comendo de mão com voracidade o pratarraz de camarão.
Naquela noite de segunda-feira tivemos que nos contentar com um delicioso camarão para cada.
Depois dessa, passamos a ocupar uma mesa mais afastada da mureta.
Até que no final de uma dessas nossas reuniões, quando saíamos do bar, dois conhecidos meu que passavam com um violão em frente ao SABOR & CIA, me convocaram para uma rápida cerimonia de inauguração de um Clube no povoado de Itaquerê, denominado Jacutinga. Fui, até porque os dois trabalhavam na mesma empresa que eu, moravam no referido povoado e dependiam de uma carona. Quando dei por mim, estava tocando violão no “Clube” Jacutinga às 2h da madrugada de uma terça-feira. Além de ter que trabalha às 7h daquela manhã, tinha que esclarecer a chagada tardia à mãe dos meus filhos. Livrei-me das auspiciosas companhias, entrei no carro e voei para a Vila Catiboaba, onde morava. Ao passar em frente à Clínica São Lucas, no centro de Brumado, vi alguns conhecidos aflitos ─ dentre eles, meu companheiro de serviço Mama −. Parei rapidamente o carro e perguntei a Mama do que se tratava. Mama, com aspecto triste, informou-me que Inocento (figura por demais conhecida nos meios futebolístico da cidade, naquela ocasião trabalhava de vigia na casa da minha cunhada), havia dado entrada naquela clínica, só para atestar o óbito. Praticamente, morto. De súbito, lamentei a morte de Inocento, mas, no íntimo, sentir que estava diante de um álibi pelo meu grande atraso para chegar em casa. Ao adentrar a casa, beirando 3h da madrugada, a mãe dos meus filhos me esperava com dois quentes e um fervendo:
─ Te explica Ribamar, que eu sou toda ouvido! Isso são horas de chegar?... Tu estavas aonde? ...
─ Eu – com os olhos rasos d’água, respondi:
No velório de Inocento!
─ Ô, Ribamar! (− logo o ódio deu lugar a um tratamento amoroso e de arrependimento pelo mau pensamento sobre a minha santa pessoa). − Não me diga que Seu Inocento morreu! Ontem mesmo o vi cheio de vida! Morreu de quê?
─ Morreu! ─ confirmei. − Parece que foi infarto.
Quando sair do banho ainda ganhei um copo com leite gelado pela minha boa ação e fui dormir.
A mulher, muitíssima religiosa, acendeu uma vela de sete dias, ajoelhou-se e ficou rezando um terço pela alma de Inocento.
O dia amanheceu, enquanto eu tomava café, a mulher perguntou:
─ Que horas será o sepultamento de Seu Inocento?
─ Quando eu chegar ao serviço me informe e te ligo (ainda não existia celular).
Ao chegar à mineradora em que trabalhava, dirigir-me ao colega de serviço Mama e perguntei:
─ E aí, cara, a que horas vai ser o sepultamento de Inocento?
Mama respondeu cheio de alegria:
─ Baixo (como ele me chama), acho que foi milagre! Mas dessa Inocento escapou! Foi uma queda e pressão, seguida de desmaio. Ele passou a noite no São Lucas, mas já tá em casa.
─ Como é que é? Inocento não morreu?! – entrei em desespero, mas tentando não deixar transparecer a angústia da minha imperdoável crucificação ao voltar para casa. Pensei em sair dali direto para o Maranhão e esquecer que um dia pisei em Brumado, mas não podia. E os quatros filhos pequeno? ...
─ Contei até três, peguei o telefone e liguei para casa. Do outro lado da linha atenderam:
─ Alô! ─ era a voz de repúdio da mulher. Em seguida, ela despejou:
─ Ô Ribamar, tu bebes tuas cachaças e fica matando os outros, é? ... Seu Inocento não morreu! ... (Por sorte ela já havia ligado para a Clínica São Lucas e fora informada de que Inocento realmente passou muito mal, mas não morreu).
Botei convicção na voz e respondi:
─ Pra mim ele estava morto! – e de mãos postas, dando graças a Deus pelo desfecho do incidente, concluir: − Melhor assim! Trata-se uma boa pessoa, tem filhos para criar e muita bola pra jogar!
Passado três dias, eu em casa, ainda na base do – pois não, se senhora! – Fui ao mercadão fazer feira, sentir uma mão no meu ombro e ouvi uma voz perguntando:
─ Ô Artilheiro, vai um pacotinho de castanha para tira-gosto?
Pela voz e pelo tratamento de Artilheiro (como ele me chama até hoje), evidente que se tratava de Inocento.
─ Ô, seu ne.... Filho da mãe, não eras tu estavas morto terça-feira lá no São Lucas? ─ esbravejei de gozação.
─ Pois é, Riba! Doutor George me salvou!
─ Ele te salvou, mas quase me matou! Inocento sorriu sem nada entendeu. Dei um abraço nele, pedir perdão e comprei três pacotinhos de castanha! Ao sair balançado negativamente a cabeça pelo tamanho do meu erro, ainda ouvi do patético Inocento:
─ Artilheiro, perdão por quê? ...








Tipico do grande Jacozinho! Valeu, Riba, mas vê se não mata mais os amigos!