
RIBAMAR VIEGAS
ESCRITOR LUDOVICENSE
Era festa da Padroeira. Mal o dia amanheceu, e aquela cidade do sertão baiano já estava tomada pelos romeiros vindos de diversos lugares. O doutor Adamastor, viúvo, setenta anos, meticuloso boticário, presidente do Clube Social, figura impoluta do lugar, saiu cedo de casa trajando um lustroso paletó de casimira. Assistiu à missa na Matriz, passou pelo Clube Social para certificar-se sobre a organização da festa prevista para a noite e foi até a Gruta Sagrada para presenciar o aglomerado de visitantes. Da Gruta, o doutor Adamastor foi visto descendo em direção à Zona do Baixo Meretrício. A intuição do boticário lhe dizia que, naquele dia, o puteiro hospedaria uma vasta variedade de prostitutas de fora da cidade e que valeria a pena conferir, logo pela manhã, o que muitos certamente só fariam à noite. Na Zona, o doutor Adamastor se encafifou com uma cabrocha e de lá não saiu mais.
Caiu a noite e, finalmente, chegou o momento da festa de gala no Clube Social da cidade. A banda posicionada no palco afinava os instrumentos, o salão estava lotado, os diretores, na portaria do Clube, recebiam as últimas famílias de associados e de convidados ilustres. Tudo transcorrendo conforme previsto. O dengoso porteiro Miliano Sapo Cego (Sapo Cego por nunca ter visto uma “perereca”) foi o primeiro a visualizar a figura enigmática do doutor Adamastor, atracado pela cintura por uma rapariga, surgindo no início da rua. Os passos vacilantes do doutor e da mulher davam a certeza de que os dois haviam tomado todas e mais algumas. O doutor Adamastor nem se dava conta do seu paletó totalmente amarrotado e, muito menos, das manchas de batom que lhe cobriam o rosto. A acompanhante dele tinha encarnado nos beiços e nas bochechas, vestia uma microssaia jeans − por mais que ela ficasse ereta, aparecia o fundilho da calcinha vermelha − rolava uma bolsinha preta num dedo indicador, calçava uma sandália de salto alto da cor da calcinha e, na cabeça, ostentava a gravata do seu acompanhante como tiara. Sem dúvida, uma dama da noite na plenitude das suas atribuições. Miliano assustou-se:
─ Vixe! Pareceu o doutor Adamastor! Os diretores do Clube, pasmos, constataram. É o doutor Adamastor!
Um deles logo lastimou:
− Santo Deus!... Presidente do nosso Clube!... Bêbado e acompanhado de uma meretriz!... Logo hoje, dia da festa de elite da nossa cidade!... Que vexame!
O doutor Adamastor e a sua acompanhante pararam diante da portaria do Clube Social.
─ Boa noite, doutor! – o cumprimento apreensivo partiu do tesoureiro Ferreirinha.
─ Boa noite! – respondeu o doutor com uma voz pra lá de pastosa. A mulher atracada na cintura dele puxou o último trago de um cigarro do Paraguai, jogou a bituca no chão e pisou apagando a brasa, numa atitude encarada pelos diretores do Clube como um desacato.
− Doutor Adamastor, o senhor pretende participar da festa? ─ indagou Tomé da Farmácia, diretor de Esporte do Clube.
− Claro! ─ balbuciou o categórico doutor Adamastor, recebendo, pela sua pronta afirmação, mais uma marca de batom na ponta do queixo.
Dona Maricota, diretora de Eventos do Clube, metida num finíssimo vestido longo, foi quem teve a iniciativa de aproximar-se do doutor e lhe falar ao pé do ouvido:
Doutor, o senhor é o presidente do nosso Clube e pode entrar... nós daremos um jeito de melhorar a sua situação. Mas essa mulher que está com o senhor não tem condições!... Ela é, no mínimo, suspeita!
─ Como é que é??? ─ questionou no ato o alcoolizado boticário.
─ Suspeita, doutor.... Essa mulher que está com o senhor é suspeita! ─ repetiu Dona Maricota, desta feita, para que todos ouvissem.
O categórico doutor Adamastor, em defesa da reputação da sua melindrosa acompanhante, com o dedo em riste, despejou alto e em bom tom, diante da multidão de curiosos que se formara:
─ Alto lá!!! Isto aqui é uma puta legítima!!! Suspeitas são as que estão aí dentro (apontando para o interior do Clube) !!! Com exceção da senhora, Dona Maricota! ─ e, com a mão no ombro da diretora De Eventos, concluiu: − que todos nós da diretoria do Clube já passamos no peito e seria um descabimento não a considerá-la, também, uma puta legítima, tanto quanto esta que está comigo!





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