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TRAQUINAGENS DO ROMÃOZINHO

jjuncal10

JOSÉ WALTER PIRES -

SOCIÓLOGO, ADVOGADO, POETA, CORDELISTA E ESCRITOR

MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LITERATURA DE CORDEL


Quem no sertão não conhece

Esse tal de Romãozinho

Um menino encapetado

Que vaga sempre sozinho

Com as suas traquinagens

Provocando burburinho.

Fala Câmara Cascudo

Desse nosso personagem

Zombeteiro e estripulento

Vivendo na camuflagem

Agindo como menino

Que gosta de molecagem.


Comparado com Saci

Às vezes com satanás

Hora bom, hora ruim

A depender do que faz

Conforme praga da mãe

Rogada tempos atrás.


Na hora do nascimento

Muita coisa aconteceu

A mãe gritava de dor

E seu pai se escafedeu

A parteira desmaiou

E sozinho ele nasceu.


Com pouco tempo de vida

Arrastando pelo chão

Mordeu a orelha de um gato

E soltou um palavrão

Quem lá estava correu

Fugindo da maldição.


A mãe chamou benzedeira,

Famosa na freguesia

Para rezar o menino

Pelo mau que padecia

E quanto mais ela rezava

Mais debochado sorria.


Um macumbeiro afamado

Chegou fazendo chalaça

— Quero ver esse moleque

E me diga a sua graça

Pois não quero perder tempo

E não aguento pirraça.


A mãe, coitada, tremeu

Com aquela exibição

Chamou o filho, dizendo:

— Ele se chama Romão

Porém, não foi batizado

Até hoje está pagão.

.

— Pois vou dizê pra Sinhora

Que tenho pronta a receita

Para esse corno pagão

E comigo ele endireita

Com dois “cristé” de pimenta

Acabo com sua treita.

.

A mãe trouxe o menino

Arrastado pela orelha

Cuja raiva demonstrou

Na sua cara vermelha

E o feiticeiro lhe disse:

— Ande logo, se ajoelha.

.

Romãozinho nem se mexeu

Olhando aquele intrujão

Que gritou mais uma vez

— Não está ouvindo, não?

Responda seu desgraçado,

Espirro do cramunhão!

.

Quanto mais ele gritava

Romão não lhe dava trela

Mas perdendo a paciência

Deu-lhe um chute na canela

Que o bicho berrou de dor

E saltou pela janela.

.

Dali saiu disparado

Sem sequer olhar pra trás

Gritando pelos caminhos

Que fugia do satanás

Chamado de Romãozinho

E filho de Ferrabrás.


A mãe ficou desolada

Naquela situação

Reforçou a sua praga

E rezou uma oração

Acedendo duas velas

Para Cosme e Damião.


Não escolhe ocasião

Para as suas malinesas

E ninguém pode prever

A hora dessas proezas

No sertão é conhecido

Como rei das espertezas.


Muitas vezes já fui vítima

Desse menino danado

Escondendo as minhas chaves

E me deixando estressado

Sem saber como ocorreu

O sumiço inesperado.


Tudo fica revirado

Com essa intensa procura

E vendo o tempo passar

Vai aumentando a tortura

Por arte de Romãozinho

Com mais uma travessura.


Solta cavalo amarrado

De vaqueiros e feirantes

Entupindo fechaduras

Perturba negociantes

Joga pedras nos telhados

Nas diabruras constantes.


Nas igrejas bebe o vinho

Deixando aflito o vigário

Culpando seu Sacristão

Chamando-o de salafrário

Levanta as saias das Freiras

Bate o sino sem horário.


Num dia de casamento

Importante na cidade

O Romãozinho atacou

Sem dó e sem piedade

Escondendo as alianças

Bem na hora da verdade.


O noivo ficou confuso

Sem saber o que dizer

A noiva, triste, chorava

Sem saber o que fazer

— É arte de Romãozinho

Alguém gritou sem querer.


Mas as sogras resmungavam

Cada qual para o seu lado

Uma a culpar o noivo

Chamando-o de descuidado

A outra dizendo que a noiva

Era um dote renegado.


Se alguma coisa acontece

Em qualquer situação

Logo vem uma desculpa

“De minha parte foi Romão”

Pois ninguém nunca faz nada

Que mereça punição.


Pelas casas aprontando

Bate portas e janelas

Deixa torneiras abertas

Quebra pratos e panelas

Desarruma nas gavetas

O guardado dentro delas.


Diga quem não teve um dia

Um documento sumido

Na hora da precisão

Mesmo não tendo perdido

Mas faz tudo Romãozinho

Para deixá-lo escondido.

Muitas vezes em salão

Onde ocorre festa chique

Romãozinho penetra e bufa

Sem nada que purifique

Homens correm vomitando

E as mulheres dão chilique.


Num forró de São João

Na minha terra natal

Romãozinho soltou uma

Como nunca vi igual

Minha mulher me acusou

Como autor daquele mal.


Fiquei logo enfurecido

Com aquela acusação

Pois não sou acostumado

A causar decepção

Virei pra ela dizendo

De minha parte foi o cão.


Romãozinho também tem

O seu lado de bondade

Porque nem tudo que faz

Traduz somente maldade

Como exemplos que são vistos

Em nossa sociedade.


Da fauna regional

É um grande protetor

Livrando todos os bichos

Das garras do caçador

Que satisfaz o desejo

De ser cruel predador.


Agora chego ao final

De um relato popular

Preservando a tradição

Do que ouvimos contar

Passando de boca em boca

E para sempre durar.


Assim foi que Romãozinho

Vive cumprindo o destino

Atanazando as pessoas

Como menino traquino

Enriquecendo o folclore

Deste sertão, genuíno!




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