
JOSÉ WALTER PIRES -
SOCIÓLOGO, ADVOGADO, POETA, CORDELISTA E ESCRITOR
MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LITERATURA DE CORDEL
Quem no sertão não conhece
Esse tal de Romãozinho
Um menino encapetado
Que vaga sempre sozinho
Com as suas traquinagens
Provocando burburinho.

Fala Câmara Cascudo
Desse nosso personagem
Zombeteiro e estripulento
Vivendo na camuflagem
Agindo como menino
Que gosta de molecagem.
Comparado com Saci
Às vezes com satanás
Hora bom, hora ruim
A depender do que faz
Conforme praga da mãe
Rogada tempos atrás.
Na hora do nascimento
Muita coisa aconteceu
A mãe gritava de dor
E seu pai se escafedeu
A parteira desmaiou
E sozinho ele nasceu.
Com pouco tempo de vida
Arrastando pelo chão
Mordeu a orelha de um gato
E soltou um palavrão
Quem lá estava correu
Fugindo da maldição.
A mãe chamou benzedeira,
Famosa na freguesia
Para rezar o menino
Pelo mau que padecia
E quanto mais ela rezava
Mais debochado sorria.
Um macumbeiro afamado
Chegou fazendo chalaça
— Quero ver esse moleque
E me diga a sua graça
Pois não quero perder tempo
E não aguento pirraça.
A mãe, coitada, tremeu
Com aquela exibição
Chamou o filho, dizendo:
— Ele se chama Romão
Porém, não foi batizado
Até hoje está pagão.
.
— Pois vou dizê pra Sinhora
Que tenho pronta a receita
Para esse corno pagão
E comigo ele endireita
Com dois “cristé” de pimenta
Acabo com sua treita.
.
A mãe trouxe o menino
Arrastado pela orelha
Cuja raiva demonstrou
Na sua cara vermelha
E o feiticeiro lhe disse:
— Ande logo, se ajoelha.
.
Romãozinho nem se mexeu
Olhando aquele intrujão
Que gritou mais uma vez
— Não está ouvindo, não?
Responda seu desgraçado,
Espirro do cramunhão!
.
Quanto mais ele gritava
Romão não lhe dava trela
Mas perdendo a paciência
Deu-lhe um chute na canela
Que o bicho berrou de dor
E saltou pela janela.
.
Dali saiu disparado
Sem sequer olhar pra trás
Gritando pelos caminhos
Que fugia do satanás
Chamado de Romãozinho
E filho de Ferrabrás.
A mãe ficou desolada
Naquela situação
Reforçou a sua praga
E rezou uma oração
Acedendo duas velas
Para Cosme e Damião.
Não escolhe ocasião
Para as suas malinesas
E ninguém pode prever
A hora dessas proezas
No sertão é conhecido
Como rei das espertezas.
Muitas vezes já fui vítima
Desse menino danado
Escondendo as minhas chaves
E me deixando estressado
Sem saber como ocorreu
O sumiço inesperado.
Tudo fica revirado
Com essa intensa procura
E vendo o tempo passar
Vai aumentando a tortura
Por arte de Romãozinho
Com mais uma travessura.
Solta cavalo amarrado
De vaqueiros e feirantes
Entupindo fechaduras
Perturba negociantes
Joga pedras nos telhados
Nas diabruras constantes.
Nas igrejas bebe o vinho
Deixando aflito o vigário
Culpando seu Sacristão
Chamando-o de salafrário
Levanta as saias das Freiras
Bate o sino sem horário.
Num dia de casamento
Importante na cidade
O Romãozinho atacou
Sem dó e sem piedade
Escondendo as alianças
Bem na hora da verdade.
O noivo ficou confuso
Sem saber o que dizer
A noiva, triste, chorava
Sem saber o que fazer
— É arte de Romãozinho
Alguém gritou sem querer.
Mas as sogras resmungavam
Cada qual para o seu lado
Uma a culpar o noivo
Chamando-o de descuidado
A outra dizendo que a noiva
Era um dote renegado.
Se alguma coisa acontece
Em qualquer situação
Logo vem uma desculpa
“De minha parte foi Romão”
Pois ninguém nunca faz nada
Que mereça punição.
Pelas casas aprontando
Bate portas e janelas
Deixa torneiras abertas
Quebra pratos e panelas
Desarruma nas gavetas
O guardado dentro delas.
Diga quem não teve um dia
Um documento sumido
Na hora da precisão
Mesmo não tendo perdido
Mas faz tudo Romãozinho
Para deixá-lo escondido.
Muitas vezes em salão
Onde ocorre festa chique
Romãozinho penetra e bufa
Sem nada que purifique
Homens correm vomitando
E as mulheres dão chilique.
Num forró de São João
Na minha terra natal
Romãozinho soltou uma
Como nunca vi igual
Minha mulher me acusou
Como autor daquele mal.
Fiquei logo enfurecido
Com aquela acusação
Pois não sou acostumado
A causar decepção
Virei pra ela dizendo
De minha parte foi o cão.
Romãozinho também tem
O seu lado de bondade
Porque nem tudo que faz
Traduz somente maldade
Como exemplos que são vistos
Em nossa sociedade.
Da fauna regional
É um grande protetor
Livrando todos os bichos
Das garras do caçador
Que satisfaz o desejo
De ser cruel predador.
Agora chego ao final
De um relato popular
Preservando a tradição
Do que ouvimos contar
Passando de boca em boca
E para sempre durar.
Assim foi que Romãozinho
Vive cumprindo o destino
Atanazando as pessoas
Como menino traquino
Enriquecendo o folclore
Deste sertão, genuíno!







Comments