
JOSÉ GERALDO GOMES
Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV (Faculdade de Direito de Vitória - 2011); Pós-graduação lato senso em Direito Penal e Direito Processual Penal, Direito Civil e Direito Processual Civil – Fundação Gildásio Amado - Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC). Graduação em Direito – Faculdade de Direito de Colatina/ES (atual Centro Universitário do Espírito Santo – 1.990)
PARTE 3
Nesse sentido, o R-105 do Comando do Exército, regulamentado e aprovado pelo Decreto 3.665/2000 e o Decreto 5.123/2004 a regulamentar e explicitar a fiel execução da lei 10.826/2003, com seus conceitos minudentes de tudo que se possa necessitar para a mais completa compreensão dos objetos desses delitos, quais sejam, explosivos, armas, munições, calibres, uso permitido ou restrito, dentre outros.
Outros tipos penais descritos pelo Código Penal vigente, a exemplo dos artigos 267 que descreve um dos delitos contra a saúde pública, com a redação: “causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos”, sem, contudo, dizer o que se entende por “germes patogênicos”, ficando a cargo do Ministério da Saúde a expedição de normas internas a respeito.
O mesmo, se diga quanto aos demais crimes citados pelos artigos 268 e 269 do CP, dentre outros. O primeiro declarando como crime a conduta de quem “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. O rol dessas doenças, bem assim, as determinações do poder público devem ser complementadas por regras administrativas do poder executivo. De igual modo, quando à notificação obrigatória de determinadas doenças referidas pelo artigo 269, CP.
O que se observa nestes casos são normas penais em branco em sentido estrito, ou heterólogas, ou heterogêneas, cujas fontes de produção da norma penal incompleta e do seu complemento são diversas. Vale dizer, a conjugação da lei mais ato administrativo, de forma sincronizada para tipificar um comportamento delituoso, em tese.
Nessa trilha, outros delitos tipificados pelo Código Penal estão a merecer idêntico tratamento no campo da tipicidade em face da incompletude da norma penal. Citam-se a exemplo, os tipos penais dos artigos 235 em relação à bigamia, com a seguinte redação: “contrair alguém, sendo casado, novo casamento”. A validade, solenidade e procedimento relativos ao casamento encontram assento nos artigos 1.548 a 1.564 do vigente Código Civil. O delito descrito pelo artigo 236 sob o nomen iuris “Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento” traz a seguinte redação: “contrair casamento, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que não seja casamento anterior”.
O art. 237, do CP define, nesse mesmo plano, o crime de “conhecimento prévio de impedimento”, pelo qual prevê sanção ao nubente que “contrair casamento conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta”. Para complementar essas lacunas descritivas dos tipos penais em apreço, urge socorrer-se das normas dos artigos 1.521 e 1.522 também do Código Civil, dentre outros casos semelhantes.
São casos típicos de normas penais em branco em sentido amplo, ou lato senso, pois a norma penal em branco depende de complemento oriundo de outra norma de idêntica hierarquia, posto que produzida pela mesma fonte legislativa, ou seja, a União (art. 22, I, CF) por meio do Congresso Nacional. No entanto, a norma penal em branco busca seu complemento em norma de equivalente hierarquia e fonte, porém, em outro ramo do direito, no caso, no Direito Civil. Por esta razão, a doutrina as denomina “normas penais em branco em sentido amplo ou lato senso, cujas fontes são homogêneas heterovitelinas.
Em ambos os casos a tipicidade merece questionamento em face ao princípio da legalidade, sobretudo quanto às fontes primariamente remetidas, em sentido estrito ou heterólogas. Estas, então, espancam o princípio da legalidade porque a força viva da tipicidade encontra-se exatamente em normas inferiores, atinentes aos atos administrativos. Em que pese a aceitação geral da doutrina e jurisprudência sobre a validade desses tipos penais, não se pode olvidar que a legalidade se encontra cambaleante e a tipicidade agoniza à míngua de observância aos princípios tão caros em matéria de controle social albergado pela força punitiva estatal.
Não poderia passar em nuvens claras outra espécie de norma penal em branco. Desta feita, o preceito primário é completo, mas o secundário é remetido a outra norma penal. São as denominadas normas penais secundariamente remetidas, imperfeitas ou incompletas, ou às avessas. Tal ocorre em delitos como o genocídio (lei 2.889/56), cujo artigo 1º preconiza que:
“Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal”...
a) Matar membros do grupo.
b) Causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo.
c) Submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial.
d) Adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo.
e) Efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.
Será punido:
Com as penas do art. 121, § 2º, do CP, no caso da letra “a”.
Com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra “b”.
Com as penas do art. 270, no caso da letra “c”.
Com as penas do art. 125, no caso da letra “d”.
Com as penas do art. 148, no caso da letra “e”.
O artigo 2º desse mesmo diploma legal define outro crime, o de associação criminosa para a prática de delitos genocidas, com a seguinte redação: “Associarem-se mais de 3 (três) pessoas para a prática dos crimes mencionados no artigo anterior”. Em seguida viria a pena. No entanto, no mesmo segmento do artigo 1º, remete às sanções cominadas em outros tipos penais previstos no CP.
No caso do artigo 2º, a mera associação comina a metade da pena prevista ao delito para o qual se associaram os agentes, em conformidade com a descrição fática e respectiva sanção prevista no Código Penal.
Outro caso semelhante pode-se visualizar no artigo 304 do CP que define o crime de uso de documento falso, com a seguinte redação: “fazer uso de qualquer dos papeis falsificados ou alterados, a que se referem os artigos 297 a 302 do CP”. Pena – “a cominada à falsificação ou à alteração. ”
O que se denota em ambos os casos, tanto em relação ao genocídio quanto aos delitos de falsificação de documentos públicos ou particulares vislumbram-se normas penais em branco às avessas, ou normas penais secundariamente remetidas. Importante observação quanto às normas penais em branco ao avesso ou secundariamente remetidas reside na norma complementar à qual se remete para a complementação do preceito secundário. Essa espécie de norma incompleta não admite complemento de fonte heterogênea, por uma razão muito simples. Heterogênea é a norma produzida por fonte legislativa diversa daquela produtora da norma penal incriminadora em branco.
A sanção penal só pode ser cominada por lei penal, logo produzida pelo órgão determinado pelo art. 22, I da CF, ou seja, a União, pelo seu poder legislativo (Congresso Nacional). Nenhuma outra fonte terá competência legislativa para cominar pena, em conformidade com o art. 5º. XXXIX, da CF e art. 1º, do CP, já mencionados alhures. Nem toda fonte homogênea poderá estabelecer resposta penal, mas somente outra norma penal. Logo, são fontes legislativas homogêneas univitelinas. Em apertada síntese buscou-se de algum modo, revisitar as bases do direito punitivo, suas normas e fontes, com ênfase aos requisitos genéricos do crime, nomeadamente a tipicidade da conduta. A seguir merece atenção as causas excludentes da ilicitude da conduta e da resposta penal, como institutos benevolentes ao acusado da prática delituosa, em tese.






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