
RIBAMAR VIEGAS
ESCRITOR LUDOVICENSE
Quando nasceram as filhas gêmeas do coronel Gregolino, na Fazendo Sucupira, na chapada maranhense, foi uma semana de festa. O coronel já havia perdido a esperança de ter filhos, até porque Dona Lucrécia, sua esposa, já passara dos quarenta anos. Mas, finalmente, a mulher engravidou e veio a furo no dia do aniversário dele. Duas ruivinhas lindas. Ele preferia dois machos, pelo menos um, mas.... Já era motivo de esta. O coronel mandou abater quatro novilhas e intimou a redondeza a comparecer na Fazenda Sucupira para comemorar o grande acontecimento. Naquela redondeza, quem não era empregado de Gregolino era seu meeiro, portanto ninguém era besta de não comparecer na festa do patrão. Houve salvas de foguetes, todos “bebemoraram”, comeram, e os convidados ainda levaram para comer em suas casas. A preta Chicuta, afilhada do coronel, foi contratada como babá das recém-nascidas.
O coronel Gregolino determinou os nomes das filhas: Rosinha e Florzinha. Lógico que todos concordaram. Convidou para padrinho das duas pequenas o seu grande amigo, o coronel Sipaúba. A sólida amizade de Gregolino com Sipaúba provinha de favores recíprocos de vida ou morte de alguém. Ambos foram tenentes de patentes compradas e se promoveram a coronéis pela lei do mais forte: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”!
O batizado de Rosinha e Florzinha foi na capela de São Gregório, na Fazenda Sucupira, tendo como participantes ilustres o padre Moginho do município de Caxias e o padrinho, coronel Sipaúba, de Brejo de Anapurus. Após o batizado com missa, houve um almoço para os participantes do evento. Gregolino e Sipaúba aproveitaram para colocar conversa em dia, enquanto o padre Moginho distraia-se conferindo o seu generoso cachê (ou melhor, dízimo). Após o descanso do almoço, o coronel Sipaúba e o padre Moginho partiram de volta para suas origens.
As filhas do coronel Gregolino cresciam na sede da Fazenda Sucupira, sobre jugo rígido da professora particular, irmã Dolores, da mãe Dona Lucrécia e da babá Chicuta. Só saíam da sede da fazenda para passear a pé, com babá Chicuta, e a cavalo, com o capataz e jagunço de confiança de Gregolino, o temido pernambucano Damião, filho do cangaceiro Atividade, castrador do subgrupo do bando de Curisco.
Certa feita, num dia de muito calor, Rosinha e Florzinha, aos doze anos, saíram com Chicuta para passear num banhado, nos arredores da sede da fazenda, denominado de Queda D´água. Damião, sempre atento a tudo, maldou o vaqueiro Jovino que se afastou dizendo que ia juntar um gado e sumiu na mesma direção. Damião arrodeou, rastreou e flagrou Jovino espiando Chicuta e as pequenas do coronel tomando banho do jeito de vieram ao mundo. Para não espantar a presa, Damião não falou nada com Jovino, mas falou ao coronel Gregolino, que resolveu a situação com apenas uma palavra:
─ Capa!!!
E Damião fez com o vaqueiro o mesmo que o pai dele fazia a mando de Curisco. Jovino, depois da dor da castração, foi engordar lá pras bandas de Vargem Grande, de onde viera pedir trabalho na Fazenda Sucupira. Depois dessa, os demais empregados da fazenda Sucupira passaram a achar as filhas do coronel Gregolino feias.
Ao completarem quinze anos, Rosinha e Florzinha eram duas belíssimas moças. Gregolino só concordava com a ida das filhas para estudarem na capital se Dona Lucrécia, Chicuta e Damião fossem juntos. O coronel ouvira falar que São Luís era uma cidade quente, cercada de praias, onde as mulheres andavam com pouca roupa e não sabiam dizer não. E ele queria suas filhas imaculadas longe dessas blasfêmias. Filha de coronel é para casar virgem com filho de coronel. Mas Dona Lucrécia não achou boa a ideia de ir para São Luís, e Gregolino botar uma rapariga em casas, só para aliviá-lo de vez em quando, como ele propôs. Como também a ida do sanguinário Damião, um homem rude, morar no mesmo apartamento com suas filhas. Sobrou para Chicuta, que sempre almejou conhecer o mar e se dava muito bem com Rosinha e Florzinha. Dona Lucrécia comprometeu-se a monitorar as filhas, indo a São Luís de seis em seis meses. Gregolino, a contra gosto, comprou um apartamento em São Luís, Rosinha e Florzinha foram matriculadas no tradicional colégio feminino Rosa Castro. Na cidade dos azulejos, tudo era excitante para as filhas do coronal Gregolino. Cinemas, teatros, praças, carros, praias e, principalmente, a liberdade de poder fazer tudo sem ter que pedir permissão. Dona Lucrécia passou uma semana com as filhas na capital e voltou para a Fazenda Sucupira deixando a gestão das filhas a cargo de Chicuta, a quem ela fez questão de lembrar o que acontece com quem trai a confiança de Gregolino.
Não precisou de três meses para Rosinha e Florzinha arranjarem namorados. Rosinha, com um português, dono de um grande supermercado, e Florzinha, com o chofer do táxi que as transportava para o colégio. Todos bem mais velhos do que elas. E Chicuta, que também tinha coração, passou a botar pra dentro do apartamento, sempre que as moças saíam para o colégio, um carteiro DCT. Com seis meses de São Luís, deu a lógica. As filhas do coronel ficaram grávidas e Chicuta teve um aborto espontâneo de tanta preocupação com o que poderia acontecer com ela assim que Dona Lucrécia chegasse – talvez com o coronel Gregolino − e encontrasse as filhas grávidas.
Dona Lucrécia, apesar da sua reconhecida sensatez, passou mal quando viu diante dela, as filhas de barriga. Quem Gregolino mataria primeiro?... Que fosse ela, dona da ideia de as filhas saírem do interior para estudar na capital... De volta à fazenda, a condenada Lucrécia chamou seu algoz para o quarto do casal, trancou a porta e falou:
─ Nossas filhas vão ter que casar!
─ Por quê? – surpreendeu-se o coronel.
─ Porque ficaram noivas e não esperaram o momento certo... Estão grávidas.
─ Vou cortar o pescoço de Chicuta! Depois corto o teu e dos cabras que fizeram mal para minhas filhas! ─ berrou Gregolino, quebrando uma estante no murro.
─ Chicuta não teve culpa! E os noivos querem casar, e elas também. E assim deve ser. Se tu tens que cortar o pescoço de alguém pelo acontecido, que corte o meu primeiro ou me autoriza a voltar e cuidar logo dos casamentos – encarou a situação a mulher.
Gregolino saltou no pescoço da mulher, que não esboçou nenhuma reação, quando ia estrangulá-la, refletiu e resolveu poupar a mulher. Esbravejou de ódio por não poder lavar com sangue, naquele momento, as desonras das suas filhas.
─ Vá! Faça o que quiser, mas não deixe ninguém saber disso! E se tu não queres morte agora, não me peça pra ir junto!
Rosinha e Florzinha casaram diante da presença da mãe e dos familiares dos noivos. Rosinha foi morar num anexo ao supermercado do esposo, e Florzinha, no apartamento que o pai havia comprado. Chicuta achou mais prudente não voltar para a Fazenda Sucupira e nem para o apartamento, foi morar com o carteiro numa porta e janela, no bairro Codozinho.
Com um ano do casório, com os filhos já nascidos – dois meninos ─ Rosinha continuava pacífica no conforto que o marido lhe proporcionava, enquanto Florzinha saía sempre que o marido ia para o ponto de táxi, deixando o filho com a empregada. Conheceu o lado promíscuo de São Luís, sempre preocupada em chegar ao apartamento antes do marido. Até que uma tarde, saiu, distraiu-se e chegou no dia seguinte. A briga foi feia. O coronel Gregolino teve que ir a são Luís resolver a situação do seu jeito. Chegou de surpresa ao apartamento com Damião. Aberturaram, amarraram e amordaçaram o marido traído. Damião segurou o chofer e Grigolino deu muitos pontapés entre as pernas do infeliz. Em seguida, o capataz obrigou o coitado a ajoelhar-se, enfiou o cano do revólver na boca do chofer e obrigou-o a lamber a bota do coronel e pedir perdão para a esposa. Damião ainda calou o soluço do taxista a coronhadas. Tudo na frente de Florzinha que, estática, sabia que ia sobrar pra ela. Não imaginava de que jeito... Gregolino, antes de partir, deixou Damião no apartamento com a ordem de deitar maritalmente com Florzinha na frente do marido para amansar bem o corno... depois cochichou com Damião:
─ Não quero filha largada!... Aceito viúva pra casar contigo!... Esse será o castigo dela e da mãe! ...
− Ela vai ficar viúva amanhã! Nessa madrugada ele vai se enforcar – garantiu Damião com prazer na voz.
Na viagem de volta, Gregolino passou na fazenda do seu compadre Sipaúba para informar que Rosinha e Florzinha casaram-se na capital. Sipaúba logo quis saber se estava tudo bem com suas afilhadas em São Luís, e Gregolino não mentiu:
─ Com Rosinha, tudo bem! ... Agora, Florzinha...
─ Aconteceu alguma coisa com a minha afilhada Florzinha, compadre? ─ indagou o afoito
Sipaúba, acariciando o cabo do parabelo.
─ Não, compadre!... Com ela mesma, não!... O marido dela é que deu pra corno!!!







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