DESAFIO
- jjuncal10
- há 19 horas
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RIBAMAR VIEGAS
ESCRITOR LUDOVICENSE
Desafio é o chamamento para lutar, competir, bater meta, combater, duelar, guerrear... um estímulo para superar limites. Os grandes desafios sempre deram uma carga épica à trajetória do ser humano. A fama e o poder costumam ser o pagamento ao vencedor; o desprestigio e o fracasso, o preço do derrotado.
No Sertão do Nordeste Brasileiro, o que não faltam são desafios. O primeiro é conseguir sobreviver com tantos desalentos. Os demais, na sua maioria, são culturais. Uns de mau gosto, como é a “guerra de espadas de pólvora” em Cruz das Almas, na Bahia, onde muitos saem com queimaduras de até terceiro grau, e outros de bom gosto, como são os das danças de Quadrilhas, Bumba Meu Boi e Boi-Bumbá no período de São João. Existem também os desafios de Modas de Viola e Pandeiro geralmente nas feiras, nas praças e nas festas de largo. Os desafios de Modas consistem nas “disputas” entre repentistas (poetas), nas quais um começa com um verso e o oponente responde com outro em sequência de trocas de “ataque” e “defesa”, podendo ocorrer “ofensas” ‒ tudo dentro da rima dos versos e do ritmo das violas ou dos pandeiros. Quem decide o vencedor são as palmas da plateia. No final, os repentistas são agraciados pelos presentes, em especial o de maior destaque. Alguns desses repentistas tornaram-se famosos no Brasil, destacando-se em épocas passadas, os alagoanos Lucas do Pandeiro e Galdino de Atalaia e, mais recentemente, os pernambucanos Caju e Castanha.
Na década de noventa, trabalhando na batimetria do Rio Poty, em Crateús, no Ceará, conheci um repentista daquela Região proclamado como Patativa de Ipu. O tal repentista recém-chegado do Povoado de Pitombinha ‒ lugar cujo folguedo mais apreciado era Moda de Pandeiro ‒ resumia a fome que passara nesse povoado, recitando o seguinte verso:
Pitombinha, Pitombinha
Terra ruim pra Chuchu,
Onde criei ferrugem nos dentes
E teia de aranha do c...
É... se não comia... não tinha o que descomer!...
O povoado de Pitombinha, na caatinga do “PIORCERÁ” (divisa dos sertões do Piauí com o Ceará), resumia-se em dois lugarejos: Buraco Fundo e Ponta Grossa.
Naquele domingo, o povo de Pitombinha reuniu-se no Parque de Bodejada do Lugarejo Buraco Fundo para assistir ao grande desafio de Moda de Pandeiro entre a desafiante Dona Rosinha, “prata da casa”, e o desafiado Seu José do Lugarejo Ponta Grossa.
Sem dúvida, ratava-se do maior desafio de todos os tempos de Moda de Pandeiro naquele povoado. Os dois protagonistas eram os melhores daquela Região. Tanto Dona Rosinha quanto Seu José estavam invictos. As pessoas mais sensatas não queriam aquele desafio. Temiam que os prováveis versos de ofensas provocassem desentendimentos entre os moradores dos dois lugarejos. Mas não houve como voltar atrás. Às 9h daquela manhã ensolarada, do centro do Parque de Bodejada, os presentes e adjacências ouviram dos alto-falantes o início dos repiques dos pandeiros e as rimas dos versos. No começo, saudação e muita cordialidade. Mas, aos poucos, foram surgindo os “ataques” e “defesas”, declinando para os versos de ofensas sobre capacidade poética de um e do outro. Com cerca de 1h de desafio, os versos já eram cada vez mais provocantes, a plateia, excitadíssima, aplaudia com palmas e vivas os seus representantes, foi quando os versos descambaram para os insultos pessoais. A coisa foi tanta que Dona Rosinha, ao sentir-se moralmente ofendida na sua reputação, ameaçou quebrar os dentes de Seu José com os seguintes versos:
Seu José da Ponta Grossa
Não me chame de cadela,
Respeito conserva os dentes,
Pois eu sou moça donzela.
Seu José da Ponta Grossa rebateu no ato com os seguintes e oportunos versos:
Dona Rosinha do Buraco Fundo
Só duas coisas se “expilica”,
Ou a senhora não tem Buc...
Ou os homens daqui não têm pic...
A pancadaria começou no centro do Parque de Bodejada com os repentistas quebrando pandeiros um na cara do outro, estendeu-se à plateia, culminando numa briga generalizada que só acabou com as badaladas do sino da paróquia em frente, num tom de reprovação do padre àquele tumulto, às 12h do dia (hora do Ângelus).
Soube que, entre “mortos e feridos”, todos escaparam... Menos mal!











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