top of page
Buscar

NEM PENSAR

jjuncal10

RIBAMAR VIEGAS

ESCRITOR LUDOVICENSE


Ela não era aquilo que costumamos adjetivar de uma tremenda gata, mas era boa. Às seis da tarde, ela desceu do seu Ford KA e sentou-se num banco, de frente para o mar, no Jardim dos Namorados, em Salvador-Bahia. Cruzou as pernas torneadas e ficou escutando o murmúrio das ondas batendo na encosta e observando o arrebol do lindo pôr-do-sol da Bahia de Todos os Santos. Ela seguia a orientação do seu guru / guia espiritual, que lhe garantira: ─ naquele dia, naquela hora e naquele local, ela viveria uma grande emoção amorosa, a qual ela não deveria recusar. (Bota emoção nisso!).


E foi aquele movimento de cruzar as belas pernas que levou o mendigo Tiquinho ( Tiquinho porque só falava no diminuitivo), a única realidade masculina disponível naquele ponto de encontro de casais, a levantar-se do seu “confortável” leito de papelão, bocejar esticando o corpo na ponta dos pés, ─ como faz o bom baiano quando sai da horizontal – caminhar lentamente e sentar-se ao lado daquela dondoca para fazer sua fezinha.


Inicialmente Tiquinho arriscou um – boa tardinha! Ela não respondeu. Tiquinho procurou no bolso do farrapo de camisa que vestia e achou uma bituca de cigarro. Desamassou-a com os dedos, acendeu-a, puxou uma longa tragada, tocou levemente no ombro da criatura e ofereceu:


─ Vai uma tragadinha?


Ela manteve-se imóvel, olhando para o mar, calada.


Tiquinho apagou a bituca de cigarro, guardo-a e procurou no bolso da calça algo mais romântico para oferecer. Achou! Uma bala doce fora do papel embalagem. Após soprá-la várias vezes para limpá-la dos fiapos de linha, ele repetiu o toque suave no ombro da perua e ofereceu a bala doce:


─ Vai uma lambidinha?


Mantendo a cabeça direcionada para frente, ela só desvio disfarçadamente os olhos para vê o que aquele doido lhe oferecia para lamber. Ao ver que se tratava de uma bala doce, respirou fundo e voltou o olhar para o horizonte do mar, mantendo-se estática, calada, impassível.


Tiquinho, sem mais nada de artificial para oferecer, jogou a bala doce na boca, deu um tempinho, movimentou lentamente a mão no laço que amarrava o cós da calça, puxou, botou pra fora e com a outra mão tocou mais uma vez de mansinho do ombro da mulher, só para confirmar o que já lhe parecia óbvio: a recusa. Contudo, ainda com uma pontinha de esperança, ele perguntou:


─ Quer dizer que um pouquinho disso aqui, nem pensar, né?


Pela primeira vez a mulher falou, ou melhor, sussurro sem deixar de olhar para o infinito do mar:


─ Não fumo e nem gosto de bala doce!


─ Mas isso aqui não é cigarro e nem bala doce – replicou Tiquinho cheio de ereção.


Sem desviar o olhar fixo para a Bahia de Todos os Santos, aquela puritana intuitivamente, movimentou a mão e tocou na última oferta do mendigo. Inicialmente houve aquele oh! Com a inusitada surpresa. Depois ela levantou-se e olhou para todos os lados. Ninguém por perto, só Tiquinho. Como a orientação do guru era não recusar, pois não é que, naquele inicio de noite, o mendigo Tiquinho foi convidado a fazer dentro do Ford KA o que faziam outros casais no interior dos carros ali estacionados? ... Amor!?


(Guru / guia espiritual? ... Tô fora!)









54 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page