
RIBAMAR VIEGAS
ESCRITOR LUDOVICENSE
Ela não era aquilo que costumamos adjetivar de uma tremenda gata, mas era boa. Às seis da tarde, ela desceu do seu Ford KA e sentou-se num banco, de frente para o mar, no Jardim dos Namorados, em Salvador-Bahia. Cruzou as pernas torneadas e ficou escutando o murmúrio das ondas batendo na encosta e observando o arrebol do lindo pôr-do-sol da Bahia de Todos os Santos. Ela seguia a orientação do seu guru / guia espiritual, que lhe garantira: ─ naquele dia, naquela hora e naquele local, ela viveria uma grande emoção amorosa, a qual ela não deveria recusar. (Bota emoção nisso!).
E foi aquele movimento de cruzar as belas pernas que levou o mendigo Tiquinho ( Tiquinho porque só falava no diminuitivo), a única realidade masculina disponível naquele ponto de encontro de casais, a levantar-se do seu “confortável” leito de papelão, bocejar esticando o corpo na ponta dos pés, ─ como faz o bom baiano quando sai da horizontal – caminhar lentamente e sentar-se ao lado daquela dondoca para fazer sua fezinha.
Inicialmente Tiquinho arriscou um – boa tardinha! Ela não respondeu. Tiquinho procurou no bolso do farrapo de camisa que vestia e achou uma bituca de cigarro. Desamassou-a com os dedos, acendeu-a, puxou uma longa tragada, tocou levemente no ombro da criatura e ofereceu:
─ Vai uma tragadinha?
Ela manteve-se imóvel, olhando para o mar, calada.
Tiquinho apagou a bituca de cigarro, guardo-a e procurou no bolso da calça algo mais romântico para oferecer. Achou! Uma bala doce fora do papel embalagem. Após soprá-la várias vezes para limpá-la dos fiapos de linha, ele repetiu o toque suave no ombro da perua e ofereceu a bala doce:
─ Vai uma lambidinha?
Mantendo a cabeça direcionada para frente, ela só desvio disfarçadamente os olhos para vê o que aquele doido lhe oferecia para lamber. Ao ver que se tratava de uma bala doce, respirou fundo e voltou o olhar para o horizonte do mar, mantendo-se estática, calada, impassível.
Tiquinho, sem mais nada de artificial para oferecer, jogou a bala doce na boca, deu um tempinho, movimentou lentamente a mão no laço que amarrava o cós da calça, puxou, botou pra fora e com a outra mão tocou mais uma vez de mansinho do ombro da mulher, só para confirmar o que já lhe parecia óbvio: a recusa. Contudo, ainda com uma pontinha de esperança, ele perguntou:
─ Quer dizer que um pouquinho disso aqui, nem pensar, né?
Pela primeira vez a mulher falou, ou melhor, sussurro sem deixar de olhar para o infinito do mar:
─ Não fumo e nem gosto de bala doce!
─ Mas isso aqui não é cigarro e nem bala doce – replicou Tiquinho cheio de ereção.
Sem desviar o olhar fixo para a Bahia de Todos os Santos, aquela puritana intuitivamente, movimentou a mão e tocou na última oferta do mendigo. Inicialmente houve aquele oh! Com a inusitada surpresa. Depois ela levantou-se e olhou para todos os lados. Ninguém por perto, só Tiquinho. Como a orientação do guru era não recusar, pois não é que, naquele inicio de noite, o mendigo Tiquinho foi convidado a fazer dentro do Ford KA o que faziam outros casais no interior dos carros ali estacionados? ... Amor!?
(Guru / guia espiritual? ... Tô fora!)







Comments