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O CARTOLA QUE GANHARIA TODAS AS COPAS DO MUNDO

jjuncal10

RIBAMAR VIEGAS

ESCRITOR LUDOVICENSE


Sempre que havia um jogo de futebol envolvendo o time de Chapéu de Couro, no sertão do Maranhão, as equipes saíam do Grêmio Recreativo, devidamente uniformizadas, uma ao lado da outra, tendo à frente o juiz da partida e atrás os organizadores do evento. A passeata seguia e só parava em frente ao casarão do coronel Silvino de Matos. O coronel, na sombra frondosa de um bacurizeiro, sempre acompanhado do seu cachorro Faísca e sem levantar-se da sua cadeira preguiçosa, fazia um aceno com a cabeça autorizando o juiz do jogo a aproximar-se. Após uma rápida conversa, o coronel afagava o cachorro e, com outro balançar de cabeça, dava a sua aprovação para o jogo. Só então, a passeata seguia para o estádio onde os desportistas locais já aguardavam para assistir a mais uma vitória certa do time da casa.

Ninguém em Chapéu de Couro sabia o que o coronel conversava com os juízes antes das partidas, mas todos tinham certeza de que, após aquela conversa, o time de futebol de Chapéu de Couro ganharia até da seleção campeã do mundo, caso aparecesse por aquelas bandas. Alguns afirmavam categoricamente que, se o coronel Silvino de Matos fosse um cartola da CBD (Confederação Brasileira de Desportes), o Brasil ganharia todas as Copas do Mundo que disputasse.

Naquele domingo, o time de Chapéu de Couro jogaria contra o time de Tum-Tum, um clássico do futebol daquela região.

A passeata mal saíra do Grêmio Recreativo, e já estava no casarão do coronel Silvino de Matos o alfaiate Justino Dengoso informando que o juiz do jogo seria o guarda municipal Bibico e que, segundo pessoas ligadas ao guarda, a intenção daquela autoridade seria apitar o jogo dando a César o que fosse de César.

O coronel, espichado na sua cadeira preguiçosa, nem sequer moveu o chapéu que lhe cobria a cara para mandar o informante tomar onde as patas tomam.

Era justificável a preocupação do alfaiate. Todos sabiam, em Chapéu de Couro, que o irmão do guarda Bibico fora castrado pelo jagunço Sátiro a mando de Silvino de Matos.

Como de costume, a passeata parou em frente ao casarão do coronel que se fazia acompanhar, além do seu cachorro Faísca, do alfaiate Justino Dengoso. O guarda Bibico, na frente das equipes, com o apito pendurado no pescoço, parecia um sargento no comando do seu pelotão. Bibico olhava para o coronel com gosto de vingança na garganta. Pensava o guarda: o que será que esse filho duma égua vai me propor para o time dele ganhar o jogo? Mas comigo ele vai se lascar! Quem sabe Chapéu de Couro, perdendo esse jogo, essa peste não morra enfezado e, assim, eu me vingue uma vez por todas desse corno? ...

O pensamento do guarda foi interrompido pelo aceno do coronel Silvino de Matos para que ele se aproximasse. O coronel lhe falou o mesmo que costumava falar a todos que se atreviam apitar um jogo de futebol em Chapéu de Couro:

─ Guarda, vão assistir ao jogo de hoje alguns dos meus empregados, entre eles o negro Sátiro. Quero lhe prevenir que esses homens saíram daqui prometendo ao meu cachorro Faísca que trarão para ele os bagos do juiz se o nosso time não ganhar o jogo. Lembre-se de que, no último empate que tivemos, o juiz foi seu irmão e quem ganhou com o resultado do jogo foi Faísca. E, como domingo é meu dia de descanso, não vou estar no estádio para impedir. Por isso, trate de precaver-se, porque esses homens nunca deixaram de cumprir uma promessa, mesmo feita a um cachorro. Seu irmão duvidou disso e agora virou um “leitão” que não para de engordar.

─, mas coronel, o senhor não soube da reunião de ontem à noite lá no Grêmio? – Impacientou-se o guardo Bibico.

− Soube! ─ resmungou o coronel.

− E não soube que ficou combinado na reunião que o jogo será de 2 X 1 para o nosso time? – Indagou Bibico suando frio, apesar do calor de quase quarenta graus.

─ Soube! – Voltou a resmungar o coronel.

─ Pois assim será, coronel – garantiu Bibico colocando convicção na voz.

Como de costume, o coronel Silvino de Matos afagou o seu cachorro e disse:

─ É, Faísca, parece que hoje tu não vais comer os bagos de um juiz de futebol. E, com seu gesto característico de cabeça, deu a sua aprovação para a realização de mais uma vitória do time de Chapéu de Couro, desta feita, por 2 X 1.

O alfaiate Justino Dengoso, ainda ao lado, em posição de jarro, ouviu do coronel:

─ É, Justino, já vi que, por aqui, o único que veste calça e não tem medo de perder a cachopa é você, porque é qualira!

O velho coronel Silvino de Matoas, afagou mais uma vez o seu atento cachorro Faísca, esticou-se na cadeira preguiçosa, cobriu os olhos com o chapéu e roncou enquanto o alfaiate Justino Dengoso corria em direção ao estádio, batendo os calcanhares no traseiro e gritando:

─ Já ganhou! Já ganhou!! Já ganhou!!!








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