top of page
Buscar

O DIREITO COMO LIMITE AO PODER


JOSÉ GERALDO GOMES

Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV (Faculdade de Direito de Vitória - 2011); Pós-graduação lato senso em Direito Penal e Direito Processual Penal, Direito Civil e Direito Processual Civil – Fundação Gildásio Amado - Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC). Graduação em Direito – Faculdade de Direito de Colatina/ES (atual Centro Universitário do Espírito Santo – 1.990)


O primitivo modo de viver em estado natural, em plena liberdade, sem qualquer barreira a delimitar a atuação do homem, a controlar seus instintos e suas decisões, se por um lado oferecia conforto e bem-estar, possibilitando-o a fazer o que bem quisesse sem a mínima censura, de outro modo, as consequências eram desastrosas e imprevisíveis.


Se todos se sentiam no mesmo direito de agir conforme seu livre arbítrio e vontade sem nenhum controle ou limite, indubitavelmente, os conflitos de interesses haveriam de surgir, e concomitantemente, a insegurança. Diante de tal cenário em que todos se julgam com os mesmos e universais direitos, acaba por confundir de tal modo que, ao final, ninguém os tem.


O natural desenvolvimento proporcionou a transposição do indivíduo a um estágio: o estado civil ou social, culminando com o fenômeno da criminalidade, decorrente das mais diversificadas causas, notadamente oriundas das relações conflituosas entre si. Aliada inseparável dessa triste realidade, a ação ou omissão do poder estatal, instituído com o fim de organizar, controlar e assistir aos integrantes da comunidade, ainda que de forma incipiente. Nesse contexto, tornou-se imprescindível instituir regras de convivência, visando a paz e a harmonia, estabelecendo limites ao comportamento humano, por conseguinte, punição ao violador de suas normas.


Essa transformação lenta e gradual, não foi estanque, cujas etapas ou fases, se confundiram no tempo e no espaço. Mas é dado histórico que os povos da antiguidade conheceram e experimentaram e vingança privada, em que num primeiro momento os agressores eram punidos pelo ofendido ou por seus familiares, ou membros da tribo a que pertenciam.


Numa segunda fase, o castigo ficava a cargo dos sacerdotes ou líderes religiosos, os quais puniam o transgressor em reverência às divindades, ao entendimento de que a transgressão praticada por um membro do grupo afetava todo o corpo social, por ofensa aos deuses, conforme a crença de cada grupo ou comunidade. Era a fase da vindita ou vingança divina, cuja finalidade da reprimenda, além da pretensa e satisfatória resposta à entidade superior, objetivava purificar a alma do insurgente, na esperança de que este alcançasse as glórias divinas, com fundamento no intenso e desumano castigo corporal.


Por fim, surge a vingança pública, onde o estado assume o monopólio do poder punitivo, exercendo-o com arbítrio e barbárie, o que foi alvo de pesadas e justas críticas de diversas personalidades, destacando-se, dentre outras, renomados autores, a exemplo de BECCARIA, em sua obra intitulada “Dos Delitos e das Penas”.


Já no Século XVIII, com o advento das escolas penais, em destaque as decorrentes do pensamento filosófico do Iluminismo, a sociedade burguesa de então, não aceitando mais as práticas punitivas naqueles moldes, com caráter nitidamente vingativo do poder soberano contra o indivíduo, desenvolveu-se a ideia da limitação do poder do estado e concessão de direitos individuais aos cidadãos, tudo alicerçado no lema da revolução francesa: liberdade, igualdade e fraternidade ou solidariedade.


A partir daí a legislação criminal incorpora a preocupação com alguns princípios que foram se desenvolvendo ao longo do tempo, elevando o indivíduo à condição de sujeito de direitos. No limiar dessa época praticamente predominava a criminalidade individual ou simples, no máximo, em concurso de pessoas, podendo-se dizer, uma delinquência local e isolada.


Após a revolução industrial, com o desenvolvimento da tecnologia e a globalização da humanidade, novas condutas lesivas vão surgindo, forçando o direito penal a expandir as normas penais incriminadoras, de modo a ampliar o leque de proteção aos respectivos bens jurídicos difusos, coletivos e transindividuais. Por óbvio, sendo o crime produto do comportamento humano, decorrente de seu livre arbítrio, também uma construção sociopolítica, na medida em que a sociedade se desenvolve, reflete à mesma proporção esse fenômeno deletério, numa escala crescente valendo-se os criminosos da tecnologia desenvolvida para o benefício da humanidade, porém, dela se utilizando em sentido reverso, vale dizer, para perpetrar novos e cada vez mais sofisticados comportamentos lesivos a bens jurídicos (MONTEIRO, 2008).


Vale observar que a prática da infração penal, nos moldes atuais, bem entendidos: fato típico e ilícito gera o “jus puniendi” ou punibilidade, em tese. Vale dizer: a possibilidade jurídica de punir, sob o monopólio do estado, ainda que certos delitos exijam a iniciativa do particular ofendido ou de seu representante legal, por meio da denúncia ou queixa, para que o órgão competente (poder judiciário) acolha a provocação formal, tendo como consequência, o impulso oficial do processo. Então, com a concretude do crime, estabelece uma relação jurídico-punitiva entre o autor do fato e o estado, cuja consequência será condenação, absolvição, ou a extinção do processo de conhecimento sem julgamento de mérito.


Para maior clareza, se o próprio estado produz as normas incriminadoras, prescrevendo as condutas comissivas ou omissivas (ações ou omissões) intoleráveis, em regra, ao final de cada tipo penal incriminador, do mesmo modo deva estabelecer a respectiva sanção, ou seja, a pena em abstrato a ser imposta ao infrator. No entanto, exigível a observância de critérios legais pré-estabelecidos.


Nesse sentido, a conduta perpetrada pelo sujeito ativo da infração deva constar no rol dos fatos puníveis, além do mais, que o órgão jurisdicional seja provocado, quer por denúncia proposta pelo Ministério Público nos casos de crimes de ação penal pública, ou por queixa do ofendido, nas hipóteses de ação penal exclusivamente privada, ou ainda nos crimes de ação pública, se o órgão do Ministério Público negligenciar e não oferecer denúncia no prazo previsto em lei. Nesse caso, o ofendido (querelante) oferecerá queixa, surgindo a denominada ação penal privada subsidiária da pública. Uma vez admitida a exordial acusatória, surge a ação penal propriamente dita, vale dizer, nasce o processo penal de conhecimento e se forma daí em diante, até sua finalização com a decisão final transitada em julgado. Na próxima edição, comentaremos, sem a menor pretensão de esgotar o assunto, sobre as primeiras atividades estatais, a partir da deflagração do delito, não perdendo de vista que o direito limita o poder.










 
 
 

Opmerkingen


bottom of page