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O PAGADOR DE PROMESSA (1)

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RIBAMAR VIEGAS

ESCRITOR LUDOVICENSE


Como ocorria todos os anos, naquele 4 de agosto, o bom baiano Generino preparou a sua suruana (caminhão cara-chata), selecionou o pessoal, na maioria mulheres e velhos, e partiu em romaria, do Sul para o Oeste do seu estado, com destino a gruta de Bom Jesus da Lapa. Era promessa, dizia ele. 


        O plano de viagem de Generino era o mesmo dos anos anteriores. Faria as mesmas paradas para reabastecimento da suruana e “desabastecimento fisiológico” dos romeiros. O pernoite seria num velho depósito à beira da BR-030, próximo ao povoado de Ibitira, o qual ele preocupa-se em reservar de um ano para o outro.   


         Foi só a suruana de Generino ganhar a estrada para a descontração tomar conta daqueles romeiros. Mulheres tagarelavam, velhos pitavam cigarros de palha, outros só contemplavam as paisagens. Januário Biscateiro, que de romeiro devoto só tinha o chapéu, distraia-se olhando, nos seus monóculos, recortes de filmes pornô, que certamente lhes garantiriam uma boa grana na Lapa. Generino, no volante, guiava com um olho na estrada e o outro no espelho retrovisor, acompanhando os “lances” das romeiras desatentamente sentadas nos bancos da carroceria, enquanto Dona Brasilina, mãe de Generino, na cabina da suruana, enganava a fome “mofando farinha de mandioca” com isca de torresmo. No banco do fundo da carroceria, um litro de cinzano  passava de boca em boca. Nas passagens da suruana pelas comunidades do trajeto, Dona Brasilina puxava um canto religioso e todos cantavam com ela, uns com fé e outros no embalo: 


             ― Ave! Ave! Ave! Maria!... Vez por outra, o canto era interrompido, quando algum provocador da comunidade perguntava de sacanagem: 


              ― Maria vai aí?...

 

               ― Vai a puta que o pariu!!! ‒ respondiam embravecidos, mas logo adiante voltavam a cantar: 


               ― Ave! Ave! Ave! Maria!... 


               Nas paradas que faziam pelo caminho, o inevitável corre-corre dos romeiros para o mato sempre dava margens a pilhérias: 


               ― Ô Lalá, cuidado com cobra aí na tua moita! 


               ― Destá que eu mijo in riba dela! 


               ― Seu Amâncio, tome um caco de telha prumóide não mijá na percata ! 


        ― Por que tu não me dá tua tarraqueta, seu ximbungo, prá vê se eu não mijo dendela?... 


               Com a volta da suruana à estrada, cessavam-se as brincadeiras. 


               Já passava das oito horas da noite, quando Generino estacionou a suruana, ao lado do depósito, próximo a Ibitira, para o pernoite. Todos desceram carregando esteiras, papelões, plásticos, tudo que servisse para não deitar no chão. Estavam exaustos. Dona Brasilina precisou de ajuda para locomover-se. Mas Generino, não, estava inteiro.  Para ele, finalmente, chegara o momento mais excitante da viagem. Porque era ali, naquele depósito, que o pilantra costumava tirar grandes proveitos das suas romarias.  


                  Tal qual nos anos anteriores, Generino, impacientemente, deixou que todos dormissem e, na calada da noite, no breu da escuridão do interior do depósito, o safado, de mansinho, deitou-se entre as romeiras. Usou primeiro a mão. Não houve reação contrária, apenas um gemido. Generino, então com muita traquinagem, despiu-se, posicionou-se e foi, foi, foi... conseguiu dar o seu “bote”. Antes de retirar-se sorrateiramente para a cabina da suruana onde dormiria, o tarado deu um nó na barra da saia da sua vítima para poder identificá-la na manhã seguinte. Aliás, a maior curtição do porreta era satisfazer a sua curiosidade em saber quem fora a “peça”. Lembrava-se que, no ano retrasado, a “felizarda” foi a prima Rosinha de Ipiaú, por sinal, grande pedida! Já no ano passado, a “contemplada” foi a quenga Balbina, que nem compensou o risco, já que ela vivia se oferecendo e ele não queria. Mas dessa vez, que ele selecionara só “filé”, quem teria sido a figura?...  A galega Chica? A viuvinha Lia?... essa, coitada, tão carente, teria sido até um favor. Ou a pretinha esguia Dadá, nos seus dezoito aninhos?... 


              Mal o dia clareou, Generino de olho na porta do depósito, buzinou a suruana convocando os romeiros a tomar café e seguir viagem.

 

              Generino era todo expectativa: saiu Zefa, Chica, Lia, Dadá e nada do nó. O coração do boca preta batia descompassado de tanta ansiedade... De repente, olha o nó. Generino levou desesperadamente as mãos à cabeça, clamou: 


             ― Vige Maria, cumi mainha!!! 


             Dona Brasilina, sempre que lembra daquela romaria, pergunta a Generino, porque ao chegar a Bom Jesus da Lapa, ele desceu da suruana e caminhou de joelhos até a gruta sagrada. 


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