top of page
Buscar

A DIGNIDADE DO ACUSADO

jjuncal10

JOSÉ GERALDO GOMES

Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV (Faculdade de Direito de Vitória - 2011); Pós-graduação lato senso em Direito Penal e Direito Processual Penal, Direito Civil e Direito Processual Civil – Fundação Gildásio Amado - Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC). Graduação em Direito – Faculdade de Direito de Colatina/ES (atual Centro Universitário do Espírito Santo – 1.990)


Dando sequência ao tema relacionado aos antecedentes criminais, na edição anterior, uma questão foi lançada, e questionou-se o seguinte: se os assentamentos criminais formadores de seus antecedentes, não constituem reincidência, capaz de influenciar na fixação da pena-base, ou produzir majoração da reprimenda, considerando-se as hipóteses de inquéritos arquivados ou em curso, além de ações penais pendentes de sentença definitiva, qual seria a sua finalidade prática? Debruçando sobre o tema, verifica-se que as movimentações processuais fazem expandir os registros pelo mesmo fato e o mesmo indivíduo. As movimentações aqui referidas, dizem respeito a foro. Processo oriundo de determinado juízo, e acaba transferido a outro, seja por incompetência do juízo de origem, ou por desaforamento. O mesmo ocorre com os casos de desclassificação do tipo penal em tese, discutido.


Não olvidamos as hipóteses de inquéritos em curso ou arquivados; ações penais trancadas/arquivadas em face de impronúncia; ações decididas ou em grau de recurso, e assim, sucessivamente.


Ficou claro, ainda, que nas certidões e/ou atestados fornecidos por autoridades policiais ou seus agentes, bem como serventuários da justiça, não poderão noticiar dados sobre inquéritos ou processos anteriores, nem condenações sem trânsito em julgado, salvo quando requisitadas por juízo competente, para instruir novo processo, ou em outros casos previstos em lei. Afasta-se, no caso, as exigências de “atestados de antecedentes criminais” para finalidades outras, a exemplo de instruir processos admissionais em determinados cargos ou empregos na administração pública direta ou indireta, ou em empresas privadas (ex. cargo de vigilante, ou outros semelhantes), que exijam maior grau de conduta ilibada do candidato, em face da sensibilidade e responsabilidade do cargo pretendido.


Quando necessário por exigência editalícia de concurso, ou outra finalidade prevista em lei, as consultas sobre a vida pregressa do cidadão/cidadã, será feita pelo órgão interessado, devidamente cadastrado e habilitado ao acesso, diretamente ao INFOSEG, ou organismos de identificações locais, à exemplo das superintendências ou departamentos de polícia técnico-científicos estaduais. Nesse sentido, a “Coordenação Geral de Inteligência do Ministério da Justiça, desenvolveu um novo Infoseg com a finalidade de integrar nacionalmente as informações concernentes à segurança pública, identificação civil e criminal, controle e fiscalização, inteligência, justiça e defesa civil”. A ferramenta a ser utilizada “é um sistema de pesquisa inovador que funcionará em plataforma WEB e em dispositivos móveis, cuja metodologia permitirá a realização de pesquisa a partir de vários argumentos simultaneamente”. A base de conhecimento é nacional única e íntegra, divididas em tipos específicos, composta por:


1. PESSOAS – Interpol, Índice Nacional, Receita Federal; CPF e CNPJ; condutores; BNMP (CNJ), SUS, TEM, SISME (Mercosul);

2. VEÍCULOS – Sinivem, SISME (Mercosul), OCR, placa, ANTT, Embarcações, Aeronaves;

3. ARMAS – Sinarm, (Polícia Federal), SIGMA (Exército), SINAD, SISME (MERCOSUL), Desarma.


“Sua abrangência funcional e tecnológica oferecerá soluções para abordagens preventivas e análises criminais, minimizando riscos e maximizando a efetividade do trabalho”. (portal CNJ.jus.br – acesso em 11/09/2023).


Nesse passo, tantos setores munidos com informações sobre os antecedentes do indivíduo, à exceção daqueles decorrentes de condenações criminais definitivas geradoras de reincidência, os demais registros têm por finalidade a carga pejorativa apta a ferir a dignidade humana da pessoa que teve a infelicidade de ter sua identidade inserida num rol de investigados, ainda que comprovada sua inocência ou equívoco, no caso de homônimos, ou vítima de documentos extraviados ou subtraídos de alguma forma. Veja-se, por exemplo, a situação da pessoa que responde a um inquérito policial pela suposta prática de ilícito penal, ao fim das apurações, o Ministério Público verifica que o fato não é criminoso. Falta-lhe um dos elementos integrantes do delito: seja a própria conduta, pela exclusão do nexo de causalidade, seja pelos elementos objetivos ou subjetivos do tipo penal, dolo ou culpa em sentido estritos. Neste caso, ausente a tipicidade, ou carente de resultado material nos delitos dessa espécie, isto é, resultado naturalístico nos delitos de conduta e resultado.


Ou ainda, o titular do direito de ação observa a superveniência de lei penal descriminalizadora, a denominada “abolitio criminis”. No caso, o crime, ainda que tenha existido, com a lei posterior deixou de existir. Pode ocorrer que no curso das investigações, descobriu-se que o fato era criminoso, mas o investigado não foi o seu autor. Então, o MP requer o arquivamento dos autos, com a consequente exclusão do investigado, dessa marcha processual. Outra hipótese refere-se a possível conclusão do processo, e em sede de julgamento, o juiz reconheça que o acusado praticou o fato sob o manto de alguma excludente de ilicitude (legítima defesa; estado de necessidade; estrito cumprimento do dever legal, ou exercício regular de direito). O julgador pode reconhecer ainda, alguma causa que isente o réu de pena, via escusas absolutórias, ou excludente de culpabilidade.


Por fim, é possível que o juiz atente para a existência de extinção da punibilidade, qualquer que seja a sua causa: prescrição, decadência, perempção, perdão do ofendido aceito pelo ofensor etc. O processo pode ser anulado, por algum vício insanável. Enfim, sabe-se como um processo tem o seu início, mas não se sabe como será o seu fim. De qualquer modo, o processo tem o arquivo como destino, mas o seu rastro permanece desde a fase policial, quando instaura o inquérito, até os bancos de dados estatais. Sem possibilidade da exclusão desses registros, seus vestígios hão de adormecer ad eternum, sujeitos à intromissão indevida, de pessoas descompromissadas com a ética e o respeito à dignidade de quem fora vítima do aparelho estatal encarregado de investigar e punir o culpado e conceder as benesses ao inocente, fazendo-se a verdadeira justiça, ao fim e ao cabo, reconhece que o réu merece absolvição, mas conserva a nódoa em seu nome, sem se preocupar com os direitos fundamentais inerentes à sua imagem e dignidade, quando deveria há muito, legislar no sentido de corrigir tais injustiças, determinando a exclusão dos registros criminais do investigado que venha a comprovar sua inocência.


Sem crítica maléfica ou destrutiva, não se vê esse comportamento no campo da política eleitoral, quando o candidato sujeito à lei da ficha limpa, acaba sendo beneficiado com a elegibilidade, ainda que seus antecedentes criminais sejam repletos de anotações. “Mas, tudo com muito amor”, como diz Juncal.


Sob o olhar atento dos defensores dos direitos fundamentais, nada mais justo do que perquirir sobre o que se entende por dignidade da pessoa humana, e o que isso representa. Trata-se de um dos princípios básicos do catálogo dos direitos humanos inerentes a todas as pessoas, em todos os lugares do planeta, independentemente de sua raça, cor, credo, etnia, origem, ideologia política, orientação sexual, ou quaisquer outras condições ou modo de viver. A dignidade representa, o valor e o sentimento da pessoa, a qual deve e merece ser tratada com respeito, igualdade e liberdade. Portanto, o princípio da dignidade humana reconhece o valor intrínseco de cada indivíduo. Pois, é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, cuja previsão constitucional está grafada no art.1º, inciso III da Constituição Federal.


Em que pese o ordenamento jurídico não definir com clareza e exatidão, o que se possa entender sobre “dignidade humana”, a doutrina não olvida as diretrizes desse direito fundamental, denominado dignidade humana”, para reconhecer o valor e o sentimento que cada pessoa tem de si próprio. (Aline Ribeiro Pereira. Aurum – portal). Acesso em 13/08/2023. Segundo Ana Paula de Barcellos, quatro foram os momentos históricos para a construção do que temos hoje como dignidade da pessoa humana. São eles: Cristianismo; Iluminismo Humanista; Immanuel Kant e Segunda Guerra Mundial.


Em apertada síntese, tem-se uma visão rasa, superficial, do que se possa entender como dignidade humana. O que resta saber, e isso, cada leitor formulará suas ideias para chegar à própria conclusão: uma pessoa que teve sua vida investigada e a justiça o reconheceu inocente, sem excluir dos bancos de dados, os seus antecedentes ativos não estariam ferindo a sua dignidade? Nem só a sua má-fama, senão, também, suas oportunidades de emprego ou cargo público, inseridas no rol dos direitos fundamentais ao trabalho.



56 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comentarios


bottom of page