A TIPICIDADE E AS NORMAS PENAIS
- jjuncal10
- 16 de fev. de 2023
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JOSÉ GERALDO GOMES
Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV (Faculdade de Direito de Vitória - 2011); Pós-graduação lato senso em Direito Penal e Direito Processual Penal, Direito Civil e Direito Processual Civil – Fundação Gildásio Amado - Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC). Graduação em Direito – Faculdade de Direito de Colatina/ES (atual Centro Universitário do Espírito Santo – 1.990)
1 PARTE
Questão relevante em termos de tipicidade relaciona-se com as normas penais incriminadoras. Sabendo-se que o princípio da legalidade preceitua que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena, sem prévia cominação legal”, não resta sequer sombra de dúvida, que a lei, e somente ela pode definir as condutas nocivas ao corpo social, de modo a estipular previamente a resposta penal, caso os comportamentos nela previstos sejam efetivados. Ocorre que as leis penais, sempre escritas, não se confundem com normas penais, no dizer de Karl Binding. Aquelas prescrevem ditames, encontram-se materializadas de modo explícito.
As normas, ao contrário, merecem uma leitura em conformidade com a mensagem escrita, ora determinando, ora proibindo alguma conduta, de forma implícita, quase que imperceptíveis. Enquanto a lei é descritiva, a norma é impositiva de um comportamento, além de valorativa. Logo, a lei penal é fonte da norma, pois é a partir da sua leitura que se interpreta a norma. Assim, a norma é a mensagem que a lei transmite ao nosso sensor cognitivo. Nesse sentido, quando a lei define o delito de homicídio, por exemplo, não diz que é proibido matar alguém, ou “não matarás”, e sim, “matar alguém”. Esta é a leitura que se faz do preceito primário do tipo penal incriminador.
À prima facie faz parecer que o legislador emite uma ordem para matar. Por essa razão Binding dizia que o criminoso ao perpetrar o delito, não violava a lei, ao contrário, atuava em conformidade com ela, o que ele violava era a norma, isto é o seu preceito proibitivo. Aqui reside o segundo requisito genérico do crime, a ilicitude ou antijuridicidade da conduta, que consiste na relação de contrariedade ou de oposição entre a conduta típica e o ordenamento jurídico.
Por uma questão lógica, o fato típico é demonstração clara de indícios de ilicitude, em decorrência da cominação de pena ao violador da norma penal. Essa ilicitude pode, no entanto, ser excluída por alguma causa de justificação que, se presente, afasta a ilicitude, tornando a conduta do agente conforme ao regramento jurídico. Ausente qualquer justificante, se confirma a ilicitude após juízo valorativo do julgador, à vista do acervo probatório produzido pelas partes durante o curso da instrução criminal.
No campo da tipicidade, a descrição legal “matar alguém”, apenas define o delito de homicídio, considerando-se que logo a seguir, vem o preceito secundário a cominar a sanção. Diz claramente: “pena, reclusão, de seis a vinte anos. ” Soa como se dissesse: não matarás, ou então, é proibido matar. Justamente nesse denominado preceito secundário, repousa um comando proibitivo ou um preceito inibidor de tal conduta descrita no preceito primário, como indício de ilicitude.
É por isso que Karl Binding distinguia a lei da norma, atribuindo a esta o status de superioridade no mundo jurídico. A distinção apontada não parece produzir efeitos práticos, ao menos em matéria penal, posto que lei e norma coexistem como se fossem corpo e alma, numa união indissolúvel. Por isso a doutrina confere igual tratamento ao termo. Lei penal ou norma, como sinônimos. No exemplo em tela, o caso é de “norma penal incriminadora”, ou seja, aquela que define o crime e comina a pena.
Ao lado desta, e em toda a parte geral do código penal vigente, e em determinados pontos da parte especial, outras duas espécies de normas se apresentam. São as normas penais não incriminadoras, subdivididas em duas vertentes:
a) - Normas penais permissivas e
b) - Normas penais explicativas, ou complementares ou finais.
As primeiras com a função de permitir a prática de determinadas condutas, ainda que típicas, extraindo-lhes a ilicitude e, como consequência desfigurando o próprio crime. Isso porque sem a ilicitude não há que se falar em crime. O artigo 23, CP diz que não há crime, se o agente pratica o fato nas hipóteses previstas em seus incisos I, II e III. São quatro circunstâncias excludentes da antijuridicidade da conduta, à saber: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito. Referem-se às denominadas normas penais permissivas justificantes.
Destacam-se ainda aquelas que, embora não excluam a ilicitude da conduta tornando-as permitidas pelo ordenamento jurídico, asseguram a impunidade do agente em certas e determinadas circunstâncias de caráter pessoal. Trata-se no caso, das normas penais permissivas exculpantes. Em tais casos o legislador não disse que “não há crime”, e sim, que o agente “é isento de pena”, seja pela ausência de culpabilidade, seja em face de alguma escusa absolutória, por razões de política criminal, como sói acontece nas hipóteses de:
a) Inimputabilidade
a.1 - Por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, de modo a tornar o agente inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Logo, não basta a simples doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado do agente para considerá-lo inimputável, e sim, que ele não seja, no momento da conduta, minimamente possuidor de autodeterminação (Art. 26, caput, CP).
a.2 - Menoridade penal. O agente só se enquadra nessa espécie de inimputabilidade, se no momento da ação ou omissão, ainda não tiver atingido a idade de 18 anos. Faltando um minuto para findar a data da véspera do 18º aniversário, ainda será considerado legalmente menor (art. 27, CP). Nesse ponto, o legislador adotou o critério biológico e objetivo para determinar a inimputabilidade penal. A incapacidade plena de ser responsabilizado penalmente tem caráter de presunção absoluta, ou “juris et de jure”, isto é, não admite prova em contrário, ainda que o agente seja considerado um gênio, ou já emancipado ou casado.
O importante é a sua idade ao tempo do fato punível. Para saber qual será o tempo do crime para os efeitos penais, devemos recorrer ao art. 4º do CP que assim determina; “considera-se praticado o crime, no momento da ação ou da omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”. Adota-se a teoria da atividade ou teoria da ação. Para melhor esclarecimento, suponha-se que o agente venha a disparar sua arma de fogo contra a vítima, por volta de 23h 59 de determinado dia, e esta evolua a óbito nos primeiros momentos do dia seguinte, isto é, dois minutos após o disparo. Já estaria no dia seguinte, porquanto passara de zero hora. Justamente nesse novo dia, o agente completa seu 18º aniversário. Passa a partir de então, a alcançar a maioridade penal. Entretanto, sua conduta foi praticada antes de completar 18 anos, portanto, inimputável pela menoridade penal.
a.3 - Embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior, desde que, da mesma forma que o portador de distúrbio neurológico, o agente esteja plenamente incapaz de entender o caráter ilícito do fato, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Considerando-se que a simples embriaguez completa, ainda que acidental, por si só, não tem a força de excluir a culpabilidade do sujeito, caso ele detenha alguma lucidez sobre a sua conduta (art. 28, §1º, CP).
Entende-se como embriaguez, a intoxicação aguda e temporária, provocada pela ingestão de álcool ou substância de efeitos análogos. Nesse sentido, nosso código estabelece no caput do art. 28, que “não excluem a imputabilidade penal”:
I – “a emoção ou a paixão”;
II – “a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de feitos análogos”. Voluntária é a embriaguez a que se submete o agente, livre e voluntariamente. O sujeito, dolosamente e sem qualquer outra pretensão, deixa a seara da lucidez para ingressar na dimensão da inconsciência ou perturbação psíquica decorrente dos efeitos da substância ebriante. A culposa, por sua vez, decorre da ingestão dessas substâncias, negligente ou imprudentemente, cujo resultado será a perda dos sentidos ou do autodomínio, embora não tivesse a intenção de embragar-se. Normalmente tais situações provocam o afrouxamento e o descontrole dos freios morais. Mas em nenhuma das hipóteses elencadas o direito exclui a inimputabilidade do agente. Ao praticar infração penal nesse estado psíquico, responderá normalmente pelo comportamento delituoso ou contravencional, sem qualquer alteração em face da pena cominada.





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