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A TIPICIDADE E AS NORMAS PENAIS


JOSÉ GERALDO GOMES

Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV (Faculdade de Direito de Vitória - 2011); Pós-graduação lato senso em Direito Penal e Direito Processual Penal, Direito Civil e Direito Processual Civil – Fundação Gildásio Amado - Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC). Graduação em Direito – Faculdade de Direito de Colatina/ES (atual Centro Universitário do Espírito Santo – 1.990)


PARTE 2


Uma segunda espécie de embriaguez é a denominada “acidental” ou proveniente de caso fortuito ou força maior, prevista no art. 28, § 1º, que se afastar inteiramente a capacidade de entendimento do agente, o isentará de pena, por excluir a sua culpabilidade. Decorre da ingestão da substância alcoólica ou de efeitos análogos, premido por força invencível ou irresistível, tais como: constrangimento ou grave ameaça, acidente, desconhecimento do conteúdo ou essência da substância, ou das próprias condições fisiológicas do sujeito. Se o agente for afetado pela embriaguez acidental, mas conservar algum resquício de entendimento, de autocontrole, de autodeterminação, e vier a cometer ou participar de ilícito penal, terá sua pena reduzida de um a dois terços, conforme (1) art. 28, § 2º, CP.


A terceira espécie de embriaguez de interesse penal, refere-se à denominada (2) “embriaguez preordenada”, prevista como circunstância agravante pelo art., 61, II “l”, CP. Essa embriaguez resulta da vontade e consciência do agente cometer determinado delito, e para tal se embriaga a fim de encorajar-se e enfrentar a prática delitiva. Alguns autores atribuem essa agravante ao resquício de responsabilidade objetiva, o que não condiz com os princípios do Direito Penal democrático vigente. Particularmente não concordamos com tal posição, considerando-se que o sujeito sabedor das alterações psíquicas produzidas por tais substâncias, associa-se à premeditação delituosa e cria um clima favorável ao desfecho dos seus desígnios.


a) Erro de proibição invencível, inevitável ou escusável (art. 21, 2ª figura do CP).

Trata-se daquele erro ou equívoco que recai sobre a ilicitude da conduta do agente. A falsa interpretação ou compreensão da realidade atinente ao preceito proibitivo da norma. Sabe-se que o desconhecimento da lei é inescusável, mas o erro sobre a ilicitude do fato quando inevitável ou escusável, isenta de pena o seu autor. O crime persiste pelos seus elementos constitutivos, no entanto, a culpabilidade do agente será excluída ou afastada pela ausência de potencial consciência da ilicitude. Esta é uma das condições para sancionar o autor ou partícipe de crime. Verifica-se o erro de proibição inevitável ou invencível, quando o sujeito, movido pela falsa percepção da realidade realiza comportamento vedado pela norma proibitiva, na crença de que sua conduta se conforma com o mandamento legal. (1) Art. 28, § 2º, CP – “A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. ” (2) Art. 61, II, “l” – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I a reincidência; II – ter o agente cometido o crime: l, em estado de embriaguez preordenada.


b) Inexigibilidade de conduta diversa (art. 22, CP).

Refere-se a fenômenos diversos da vontade do agente, os quais dominam o seu livre arbítrio, não lhe restando opção outra, senão a realização de conduta que em situações de normalidade jamais praticaria. Exemplificativamente o art. 22 do CP registra a coação irresistível e a ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico. Observe-se que o código menciona “coação irresistível”, quando na verdade deveria constar “coação moral irresistível”, pois, se a coação for física, ficará excluída, não a culpabilidade do executor material do fato, mas a própria conduta, a considerar que serviu de mero instrumento nas mãos do coator, para produzir o resultado desejado por este.


Outras normas penais permissivas que não se enquadrem nesse rol, mas que de igual modo asseguram a impunidade do agente são as escusas absolutórias elencadas nos artigos 181 e 348, § 2º, CP, dentre outras.


Já as normas penais explicativas ou complementares têm a função de esclarecer o conteúdo das demais normas ou delimitar as respectivas áreas espaciais, temporais e circunstanciais de atuação. Nestes termos, as denominadas normas penais complementares têm a função de preencher eventuais lacunas de conteúdo típico do preceito primário do tipo penal diante de certos conceitos carentes de determinação quanto ao que se pretende incriminar, o que conduz à busca de socorro em outras normas.


Estas podem ser elaboradas pela mesma fonte legislativa que a lei penal, ou por fontes diversas, via atos administrativos, a exemplo dos decretos, regulamentos, portarias, tabelas oficiais, resoluções, dentre outros. Tais fontes de produção se mostram heterogêneas, em face ao regramento constitucional do (3) artigo 22, I da carta maior, que confere à União a competência privativa para legislar em matéria de direito penal. (3) Constituição da República Federativa do Brasil, art. 22 – compete privativamente a União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.


São hipóteses de normas penais em branco, objetos de controvérsias na seara da tipicidade penal no plano doutrinário. Merece destaque a temática, a partir do conceito de fontes do direito penal. Para a doutrina dominante as fontes do direito penal são classificadas em:


a) Fonte material, ou substancial ou de produção, tendo-se em conta a sua gênese, ou seja, o lugar onde o direito é produzido ou elaborado. E esta origem não poderia ser outra, senão o Estado (A União) através do Poder Legislativo (Congresso Nacional), por força do art. 22, I da CF.


b) Fontes formais, ou de conhecimento ou de cognição, pelas quais o direito torna-se conhecido e exteriorizado. Subdividem-se em duas linhas de conhecimento. A primeira delas é a fonte formal imediata ou direta, que é a lei. Aliás, a única fonte cognitiva imediata do Direito Penal. A segunda fonte formal ou cognitiva é dita mediata ou indireta, alcançando os costumes e os princípios gerais de direito.


A par desses esclarecimentos acerca das fontes do Direito Penal, fica claro o modo de suas respectivas distinções. Basta questionar: onde o direito é produzido? Onde pode ser encontrado? À primeira indagação busca-se informar sobre a sua fonte legislativa ou de produção. À segunda, busca-se saber por que meios ele se torna conhecido e onde encontrá-lo. Para a primeira indagação a resposta será o Estado. Para a segunda, a resposta será a lei, os costumes e os princípios gerais de direito.


No entanto, os dois últimos: os costumes e os princípios gerais de direito, não podem ser empregados para a incriminação de condutas nem para agravar a situação do acusado. Sua valoração segue orientada à base da interpretatio in bonam partem. Mas a doutrina dominante inadmite atos administrativos como fonte, ainda que indireta ou mediata do Direito Penal. Os consideram fontes integradoras da norma penal.


Noutra visão vejamos o que acontece com as denominadas normas penais em branco, ou incompletas próprias, ou em sentido estrito. Preliminarmente cabe um breve comentário acerca dessas normas. A regra é que as normas penais incriminadoras sejam compostas por dois preceitos: preceito primário e preceito secundário, e que sejam completos, sem necessidade de quaisquer complementos ou explicações.


Excepcionalmente, algumas dessas normas apresentam lacunas em seu preceito primário, de sorte a reclamar o auxílio de complemento para a sua fiel compreensão e aplicação. O preceito secundário vem completo, com a cominação da pena e seus limites legais. Mas a descrição fática afasta-se dos padrões normais da tipicidade penal. Assim ocorre com delitos relacionados às substâncias entorpecentes, psicotrópicas, nocivas à saúde humana e causadoras de dependência física ou psíquicas (Lei 11.343/2006). Ou seja, as drogas.


A norma penal incriminadora, por si só não dá conta de explicar o real significado de droga, nem quais são as substâncias com tais características. Por isso, o operador do direito, na qualidade de exegeta, carece de norma complementar para a real compreensão do sentido dado à expressão “droga”, móvel do delito a que se refere o tipo penal incriminador. O complemento, nesse caso, provém de ato administrativo produzido pelo Ministério da Saúde por meio de Portaria, em vigor na atualidade, a de nº 344/98, em consonância com a Organização Mundial de Saúde, que elenca as substâncias assim consideradas. A partir daí se orienta para a tipicidade das condutas incriminadas, relativamente ao cultivo, preparo, estocagem, transporte, comércio, prescrição, dentre outras condutas, e uso indevido de tais produtos.


Pelo que se depreende que a tipicidade se completa com normas meramente administrativas, sem as quais a norma penal destinada à tipificação das condutas perderia valor e sentido, restando espaço à atipicidade. Do mesmo modo os delitos tipificados pela lei do desarmamento (Lei 10.826/2003). Posse, porte, aquisição, importação, cessão, empréstimo, de arma de fogo de calibre de uso permitido ou de uso restrito ou proibido. A expressão arma, bem assim, calibres de uso permitido, restrito, munições, acessórios etc., restariam termos vagos e imprecisos, portanto, atípicos, não fosse o complemento trazido à baila pelos atos de natureza administrativa.











 
 
 

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