Atestados médicos entre a lei, a prática, a gestão e a necessidade de responsabilidade
- jjuncal10
- há 1 dia
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Gabriela Matias, jornalista, redatora e assessora de imprensa, graduada pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). INSTAGRAM: @gabrielamatiascomunica https://www.instagram.com/gabrielamatiascomunica/
A discussão sobre atestados médicos ganhou novo fôlego com a recente decisão da rede municipal de saúde de Uberlândia, que anunciou que só emitirá atestados para pacientes com quadros moderados ou graves. A mudança expõe uma realidade que já vinha se intensificando, a de que entre o que a lei determina e o que acontece no cotidiano existe um espaço de incerteza que afeta diretamente trabalhadores e empresas.
O atestado, que deveria ser um instrumento claro de proteção jurídica, passa a ser centro de conflitos quando regras administrativas, limitações estruturais e interpretações equivocadas se sobrepõem ao que estabelece a legislação trabalhista. Nesse cenário, informação e orientação se tornam fundamentais para evitar punições indevidas, descontos salariais incorretos e litígios que poderiam ser prevenidos.

O que a lei prevê sobre atestados e o que o mercado realmente entrega
O trabalhador tem direito à ausência justificada quando apresenta atestado médico válido, com prova de incapacidade temporária e assinatura de profissional habilitado. A empresa, por sua vez, é obrigada a aceitar o documento quando ele cumpre os requisitos formais exigidos.
Contudo, quando surgem os atestados intercalados ou sucessivos, a análise se torna mais complexa. Como explica o advogado especialista Dr. João Valença, do VLV Advogados, “a soma de atestados dentro de 60 dias pode transferir a responsabilidade do pagamento da empresa para o INSS, desde que exista continuidade da patologia e incapacidade real”. A legislação determina que a empresa é responsável apenas pelos primeiros 15 dias de afastamento, e, ultrapassado esse período combinado, o afastamento deve ser encaminhado ao INSS.
No entanto, esse sistema só funciona quando o trabalhador consegue obter o atestado, o que pode não ocorrer diante da nova política adotada em Uberlândia. Um trabalhador com quadro leve, mas incapacitante, pode sair da unidade sem documento válido, o que automaticamente transforma sua ausência em falta injustificada. Aqui, o abismo entre a norma e a prática se torna evidente.
Atestado como estratégia de proteção, ganhos de segurança e desafios que não aparecem no papel
O atestado deveria ser uma ferramenta de estabilidade para as relações de trabalho, dando previsibilidade ao empregador e proteção ao empregado. Na prática, porém, a falta de padronização, a dificuldade de acesso ao sistema público de saúde, a desinformação e a interpretação equivocada de gestores tornam o processo mais vulnerável. Para o Dr. João Valença, “o problema não está no atestado, mas na forma como ele é tratado. Quando empresas criam obstáculos ou adotam critérios não previstos em lei, elas transformam um procedimento simples em um passivo trabalhista”.
Enquanto isso, trabalhadores que não compreendem a importância de manter documentação organizada ou que não conseguem obter atestados devido a restrições administrativas acabam sendo penalizados injustamente. A política aplicada em Uberlândia, focada apenas em quadros moderados ou graves, ignora que a incapacidade pode existir mesmo quando o quadro é classificado como leve, e um dia de incapacidade sem atestado pode gerar descontos, advertências e até risco de justa causa. O desafio que não aparece no papel é justamente esse, o descompasso entre a incapacidade real e a ausência de prova documental.
Riscos concretos da má gestão de atestados, impacto jurídico e responsabilidade do empregador
Quando a gestão dos afastamentos não é estruturada, os riscos se acumulam de forma acelerada e afetam tanto trabalhadores quanto empresas. Para o trabalhador, a ausência de atestado válido significa perda de remuneração, punições, impedimento de acesso ao INSS e exposição a interpretações equivocadas sobre abandono de emprego. Para a empresa, o risco envolve condenações judiciais, pagamento de dias descontados irregularmente, responsabilidade por afastamentos mal conduzidos e até danos morais.
Como destaca o Dr. João Valença, “o Direito do Trabalho é profundamente documental, e quando falta o documento, falta o direito”. Se o atestado não existe porque o sistema público decidiu não emiti-lo, o problema jurídico recai sobre quem mais depende desse documento para garantir sua subsistência. Além disso, quando há atestados sucessivos, a empresa pode falhar em encaminhar o trabalhador ao INSS no momento adequado, o que gera discussões judiciais sobre responsabilidade e atrasos no recebimento de benefício por incapacidade. Pequenos erros operacionais têm o potencial de gerar grandes responsabilizações.
Como lidar com atestados com responsabilidade, gestão preventiva e segurança jurídica
Para que o sistema funcione sem abusos e sem prejuízos, empresas e trabalhadores precisam compreender o fluxo legal que envolve a apresentação, conferência e aceitação de atestados. Gestão interna clara, comunicação adequada e respeito aos limites legais são fundamentais para evitar conflitos.
A fiscalização deve existir, mas sem interferência indevida, porque exigir informações que a lei não autoriza ou recusar documentos válidos é conduta proibida pela Justiça do Trabalho. Ao mesmo tempo, trabalhadores precisam entender que o atestado é a prova que sustenta o direito, e sem ele até uma incapacidade real pode ser ignorada.
A nova regra de Uberlândia evidencia um problema ainda maior, o da falta de acesso ao documento necessário para respaldar direitos trabalhistas. Um quadro leve pode incapacitar, e a ausência de atestado, mesmo que a incapacidade exista, gera consequências financeiras e disciplinares que afetam diretamente o contrato de trabalho. A orientação jurídica passa a ser indispensável para lidar com esse cenário, porque decisões administrativas não podem anular direitos previstos em lei.
Ter clareza sobre incapacidade leve, moderada e grave, e a importância dessa diferença para o Direito
A distinção entre esses graus de incapacidade não é apenas clínica, mas profundamente jurídica. Quando a rede municipal decide que apenas quadros moderados e graves terão emissão de atestado, cria-se um vazio documental que prejudica diretamente quem apresenta incapacidade leve, mas real.
A ausência de documento não significa aptidão, significa apenas que não há prova suficiente para justificar uma falta. Como reforça o Dr. João Valença, “o atestado não é um favor, é um documento que garante segurança jurídica às duas partes. Quando ele não existe, a relação de trabalho fica vulnerável”. Essa vulnerabilidade afeta remuneração, estabilidade, vínculo e acesso a benefícios previdenciários. Por isso, compreender como os níveis de incapacidade impactam o contrato de trabalho é essencial para evitar injustiças.
A discussão sobre atestados médicos, especialmente após a mudança implementada em Uberlândia e diante da complexidade que envolve atestados intercalados ou sucessivos, ultrapassa o campo da saúde e se insere profundamente no Direito do Trabalho. O que está em jogo é a manutenção de direitos, a preservação do contrato e a prevenção de conflitos que podem ser evitados com informação e gestão adequada.
Quando a prática se distancia da lei, quem paga o preço é o trabalhador, a empresa e, em última instância, todo o sistema de relações de trabalho. Orientação jurídica, clareza e responsabilidade são hoje mais necessários do que nunca.
Com informações de publicações em diversos sites, como https://vlvadvogados.com/ e site de notícias https://g1.globo.com/mg/triangulo-mineiro/noticia/2025/12/08/atestado-medico-em-uberlandia-so-sera-dado-a-paciente-com-quadro-moderado-e-grave-na-rede-municipal-de-saude.ghtml







