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DAS CAUSAS EXCLUDENTES DE CULPABILIDADE


JOSÉ GERALDO GOMES

Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV (Faculdade de Direito de Vitória - 2011); Pós-graduação lato senso em Direito Penal e Direito Processual Penal, Direito Civil e Direito Processual Civil – Fundação Gildásio Amado - Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC). Graduação em Direito – Faculdade de Direito de Colatina/ES (atual Centro Universitário do Espírito Santo – 1.990)


PRIMEIRA PARTE


CONCEITO DE CULPABILIDADE


Pode-se dizer que culpabilidade é o conjunto das condições de caráter pessoal, estranhas aos elementos do tipo penal, que se presentes por ocasião da “valoração paralela na esfera do profano”, configura, a possibilidade jurídica de aplicar-lhe a pena, desde que tenha cometido o fato típico e antijurídico. Ou seja, que o comportamento típico não encontre amparo em nenhuma das excludentes de ilicitude já elencadas. Então, culpabilidade nada tem a ver com dolo e culpa em sentido estrito, porque esses elementos residem na conduta do agente. Foram deslocados da culpabilidade como pressuposto de aplicação de pena, e acomodados no tipo penal incriminador.


A culpabilidade é composta pelos seguintes elementos:

a) – Imputabilidade;

b) – Potencial consciência da ilicitude;

c) – Exigibilidade de conduta diversa.


Como consequência, as excludentes da culpabilidade são:

a) – Inimputabilidade;

b) – Erro de proibição;

c) – Inexigibilidade de conduta diversa.


Se a imputabilidade é a condição pessoal do agente mentalmente são e desenvolvido, capaz de querer e entender, a inimputabilidade é justamente o inverso. É a ausência dessa capacidade. O indivíduo não goza de boa saúde mental e nem possui plena capacidade de distinguir o bem do mal. No momento da prática criminosa, não goza da plenitude de sua consciência quanto à ilicitude de sua conduta, ou então, premido por forças estranhas, como a coação moral irresistível, ou ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico. Ou seja, uma ordem ilegal fraudada ou maquiada, imperceptível ao conhecimento do subordinado que a cumpre. Nestes termos, em apertada síntese passa-se a comentar cada uma das causas excludentes da culpabilidade.


a) – Inimputabilidade – decorre de três fatores, à saber:


I Menoridade penal, na forma do art. 228 da Constituição da República Federativa do Brasil – “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Art. 27, CP “Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”.


O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), por sua vez, em cujo artigo 104, prescreve que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta lei”. Na sequência, outra norma explicativa, para considerar a idade do adolescente à data do fato, assim como faz o código penal em seu artigo 4º ao estabelecer o tempo do crime.


A legislação brasileira, com escora na vigente carta política, estabelece o início da maioridade penal, isto é, sua imputabilidade sob o aspecto biológico, nos primeiros momentos do dia em que completa 18 anos de idade. Nem um minuto antes. De modo que por mais grave que seja o fato, o infrator não se sujeitará à legislação penal, senão às normas do art. 112 (1)do diploma especial em apreço. Repita-se: Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990).


No cotidiano forense, nos meios policiais e amplamente divulgado pela imprensa circula a mensagem aduzindo que "criança e adolescente não cometem crime, e sim, ato infracional análogo ao crime tal, ou qual”. A meu ver, com o devido respeito aos que pensam de modo diverso, um grande equívoco, quiçá, por ausência de esclarecimento, eis que o artigo 103 do Estatuto menorista prescreve: “considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”. Então, crime ou delito e contravenção penal recebem tratamento comum na legislação infanto-juvenil, para designar a mesma coisa, isto é, ato infracional. Para não dizer que o adolescente cometeu crime, emprega-se uma figura de linguagem chamada eufemismo, para dizer que o adolescente em conflito com a lei é autor de ato infracional análogo ao crime X ou Y. Na realidade ele praticou crime ou contravenção penal. No entanto, não está apto a receber pena, por ausência de culpabilidade, por isso, sujeita-se às medidas socioeducativas previstas no estatuto menorista.


II – Doença mental, ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, em consonância com as regras contidas no artigo 26, CP(2). Disposição semelhante encontra assento no Código Penal Militar (Dec. Lei 1.001/1969), art. 48(3). A norma permissiva a que aludem tais disposições, exige que o agente, no momento da conduta comissiva ou omissiva, seja inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, o que deverá ser comprovado por perícia médica. Não basta que o sujeito seja portador de transtorno mental ou que estejam sob tratamento psiquiátrico ou esteja interditado por ocasião do fato criminoso.


Exigível, repita-se, que seja submetido à avaliação médica, via “incidente de insanidade mental”, conforme artigos 149 a 154 do Código de Processo Penal. O incidente de insanidade mental será instaurado sempre que houver dúvida sobre a saúde mental do acusado, justamente para confirmar se no momento da prática delituosa o sujeito era ou não inimputável. É possível que a perícia conclua que a doença mental do acusado e, sua incapacidade de querer e entender, tenha surgido após a prática criminosa. Nesse caso, a solução é a suspensão do curso do processo.


III – EMBRIAGUEZ COMPLETA, PROVENIENTE DE CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR

Essa espécie de ebriez só exclui a imputabilidade, se da mesma forma que o portador de distúrbio neurológico, o agente esteja plenamente incapaz de entender o caráter ilícito do fato, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Considerando-se que a simples embriaguez completa, ainda que acidental, por si só, não tem a força de excluir a culpabilidade do sujeito, caso ele detenha alguma lucidez sobre a sua conduta (art. 28, §1º, CP).

Entende-se como embriaguez, a intoxicação aguda e temporária, provocada pela ingestão de álcool ou substância de efeitos análogos. Nesse sentido, nosso código estabelece no caput do art. 28, que “não excluem a imputabilidade penal”:

I – “a emoção ou a paixão”;


II –“a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de feitos análogos”. Voluntária é a embriaguez a que se submete o agente, livre e voluntariamente. O sujeito, dolosamente e sem qualquer outra pretensão, deixa a seara da lucidez para ingressar na dimensão da inconsciência ou perturbação psíquica decorrente dos efeitos da substância ebriante. A culposa, por sua vez, decorre da ingestão dessas substâncias, negligente ou imprudentemente, cujo resultado será a perda dos sentidos ou do autodomínio, embora não tivesse a intenção de embriagar-se. Normalmente tais situações provocam o afrouxamento e o descontrole dos freios morais. Mas em nenhuma das hipóteses elencadas o direito reconhece a inimputabilidade do agente. Ao praticar infração penal nesse estado psíquico, responderá normalmente pelo comportamento delituoso ou contravencional, sem qualquer alteração em face da pena cominada.


Uma segunda espécie de embriaguez é a denominada “acidental” ou proveniente de caso fortuito ou força maior, prevista no art. 28, § 1º, que na hipótese de afastar inteiramente a capacidade de entendimento do agente, o isentará de pena, por excluir a sua culpabilidade. Decorre da ingestão da substância alcoólica ou de efeitos análogos, premido por força invencível ou irresistível, tais como: constrangimento ou grave ameaça, acidente, desconhecimento do conteúdo ou essência da substância, ou das próprias condições fisiológicas do sujeito. Se o agente for afetado pela embriaguez acidental, mas conservar algum resquício de entendimento, de autocontrole, de autodeterminação, e vier a cometer ou participar de ilícito penal, terá sua pena reduzida de um a dois terços, conforme(4)art. 28, § 2º, CP.


A terceira espécie de embriaguez de interesse penal, refere-se à denominada(5)“embriaguez preordenada”, prevista como circunstância agravante pelo art., 61, II, alínea “l”, CP. Essa embriaguez resulta da vontade e consciência do agente cometer determinado delito, e para tal se embriaga a fim de encorajar-se e enfrentar a prática delitiva. Alguns autores atribuem essa agravante ao resquício de responsabilidade objetiva, o que não condiz com os princípios do Direito Penal democrático vigente. Particularmente não concordamos com tal posição, considerando-se que o sujeito sabedor das alterações psíquicas produzidas por tais substâncias, associa-se à premeditação delituosa e cria um clima favorável ao desfecho dos seus desígnios. (1) “Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - Advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento educacional;

VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições. (2)Art. 26, CP – “É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. (3)CPM -Dec. Lei 1001/1969- Art. 48 “Não é imputável quem, no momento da ação ou da omissão, não possui a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, em virtude de doença mental, de desenvolvimento mental incompleto ou retardado.” (4)Art. 28, § 2º, CP – “A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. ” (5) Art. 61, II, “l” – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I a reincidência; II – ter o agente cometido o crime: l, em estado de embriaguez preordenada.




 
 
 

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