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Demissão durante tratamento de câncer e a proteção contra dispensas discriminatórias, o desafio de equilibrar gestão empresarial e direitos fundamentais

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Gabriela Matias, jornalista, redatora e assessora de imprensa, graduada pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). INSTAGRAM:  @gabrielamatiascomunica https://www.instagram.com/gabrielamatiascomunica/ 


A decisão que condenou uma empresa no litoral de São Paulo após demitir um funcionário que estava em tratamento de câncer de próstata reacendeu uma discussão essencial no Direito do Trabalho, até que ponto o poder de gestão do empregador pode prevalecer quando a dispensa atinge alguém em situação de vulnerabilidade extrema? O caso ganhou repercussão porque evidencia um movimento crescente da Justiça brasileira, que tem reconhecido a demissão de trabalhadores com doenças graves como um ato potencialmente discriminatório, capaz de gerar reintegração e indenização. E, enquanto o Judiciário reafirma a necessidade de proteger quem enfrenta uma enfermidade séria, outra realidade se impõe, a falta de informação sobre os direitos na demissão sem justa causa, um cenário comum que ainda expõe milhares de trabalhadores a perdas financeiras e insegurança jurídica. 

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Foto: Reprodução/Pixabay


Os dois temas podem parecer distantes, mas revelam o mesmo ponto central, a dispensa do trabalhador não é apenas um ato administrativo, é um ato que atinge diretamente sua dignidade. A demissão sem justa causa, embora permitida pela legislação, não pode ser utilizada como instrumento de exclusão ou punição contra quem está debilitado, fragilizado ou impossibilitado de desempenhar suas funções temporariamente. E, assim como a condenação no litoral paulista expõe os limites do poder empresarial, a análise das regras trabalhistas mostra que a proteção jurídica existe, mas ainda depende de informação, fiscalização e responsabilidade institucional. 


A linha tênue entre o poder de demitir e o uso discriminatório da dispensa 


A demissão sem justa causa é um direito do empregador, mas não é absoluta. A legislação trabalhista impõe limites, e a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho reforça que o desligamento de pessoas com doenças graves, como o câncer, pode ser considerado discriminatório quando não houver justificativa objetiva. A Súmula 443 do TST presume que a dispensa de empregados portadores de doenças estigmatizantes ocorre de forma irregular, cabendo à empresa demonstrar que o ato teve motivação legítima. 


No caso do trabalhador com câncer de próstata, divulgado recentemente, o Judiciário entendeu que a dispensa ocorreu em momento sensível, justamente quando o empregado mais precisava de estabilidade para tratar a doença. A decisão apontou que o desligamento, sem motivo real ou justificável, configurou discriminação e violação à dignidade da pessoa humana, resultando na condenação da empresa. O episódio reforça que o ambiente empresarial não funciona em paralelo à realidade social, e que a saúde do trabalhador não pode ser tratada como um detalhe administrativo. 


Essa discussão se torna ainda mais relevante porque muitos trabalhadores sequer sabem que podem questionar judicialmente uma demissão ocorrida durante ou após o diagnóstico de doença grave. E, sem informação adequada, acabam aceitando a dispensa sem compreender que existem mecanismos legais capazes de protegê-los. 


Demissão sem justa causa e o impacto direto na vida do trabalhador 


Mesmo quando não há doença grave envolvida, a demissão sem justa causa exige atenção. Embora seja legal, ela impõe ao empregador a obrigação de pagar corretamente todas as verbas rescisórias, como saldo de salário, aviso prévio, férias proporcionais e vencidas com 1/3, 13º proporcional, FGTS e multa de 40%. Quando esses valores são pagos de forma incorreta, algo extremamente comum, gera-se insegurança financeira, ansiedade e frustração em um momento já delicado da vida profissional. 


A falta de informação agrava esse cenário. Muitos trabalhadores acreditam que nada pode ser feito ou que o desligamento é sempre legítimo, mesmo quando há indícios claros de irregularidade. É justamente nesse ponto que a relação entre demissão e vulnerabilidade ganha contornos mais amplos, não é apenas a doença que fragiliza o trabalhador, mas também o desconhecimento sobre seus direitos. 


A condenação no litoral paulista joga luz sobre essa realidade, ao demonstrar que o Judiciário está atento ao impacto emocional e social da dispensa em situações extremas. Em decisões assim, não se analisa apenas o ato de desligar, mas o contexto, o momento, a condição da pessoa e o reflexo da demissão sobre sua dignidade. 


Quando a vulnerabilidade exige proteção reforçada 


Assim como a IA no Judiciário exige supervisão humana para evitar injustiças, a demissão de pessoas em tratamento de câncer exige rigor, cautela e responsabilidade. Nesses casos, o trabalhador está fragilizado física e emocionalmente, acumulando consultas, exames, tratamentos agressivos e insegurança financeira. Qualquer ato empresarial que agrave esse contexto pode ser interpretado como abuso. 


A Justiça do Trabalho reconhece que o trabalhador com doença grave depende de maior proteção. Por isso, decisões recentes reforçam que a dispensa deve ser analisada à luz dos princípios constitucionais, como dignidade da pessoa humana, não discriminação e proteção ao trabalho. Quando a doença torna o trabalhador mais vulnerável, o dever de cuidado do empregador se intensifica. 


Da mesma forma que não é admissível automatizar julgamentos sem supervisão humana, também não é aceitável desligar alguém em situação sensível sem critérios claros e sem avaliar o impacto desse ato na vida da pessoa. O que está em jogo é mais do que o vínculo de emprego, é o sustento, a saúde e a dignidade. 


Riscos de normalizar demissões injustas e a importância da responsabilidade empresarial 

A busca por eficiência dentro das empresas, assim como a busca por celeridade no Judiciário, não pode ignorar a necessidade de cuidados reforçados em situações delicadas. A pressa para encerrar contratos, reduzir custos ou reorganizar equipes pode resultar em injustiças irreparáveis, especialmente quando envolve trabalhadores em tratamento médico. 

É nesse ponto que o exemplo do Judiciário se conecta ao mundo empresarial, tanto na aplicação da IA quanto na gestão de pessoal, rapidez sem responsabilidade gera vulnerabilidade. Se no Judiciário a falta de supervisão tecnológica pode causar decisões equivocadas, no ambiente de trabalho a falta de atenção ao contexto humano pode causar sofrimento real. 


Conclusão, equilíbrio entre poder de gestão e proteção da vida 


O caso do trabalhador demitido durante tratamento de câncer deixa evidente que a demissão não é um ato neutro. Ela afeta vidas, compromete tratamentos, reduz a autoestima e pode configurar discriminação quando realizada em momentos de fragilidade. Por outro lado, a demissão sem justa causa precisa seguir parâmetros legais e éticos que nem sempre são respeitados. 


Assim como o Judiciário busca equilíbrio entre tecnologia e garantias fundamentais, as empresas precisam encontrar equilíbrio entre gestão e humanidade. A lei não impede a demissão, mas impede injustiças. E, para trabalhadores que enfrentam doenças graves, o cuidado deve ser redobrado. 


No centro dessa discussão está um princípio simples, mas essencial, nenhum ato empresarial pode ignorar a dignidade de quem depende do trabalho para viver. 



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