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GOLPE DE MESTRE

jjuncal10

RIBAMAR VIEGAS

ESCRITOR LUDOVICENSE


Zé se considerava o mais sabido do distrito de Ubiraçaba, em Brumado-Bahia. Muito falante, sotaque paulista, contador de vantagens, sabedor das coisas, tudo *pabulagem pelo fato de ter morado uns tempos em São Paulo.

Naquela sexta-feira, Zé chegou cedo à sede do município de Brumado e sacou no caixa 24 horas do Bradesco as aposentadorias do pai e da mãe, R$ 2.000,00, e seguiu a pé pela Avenida Centenário com destino ao Mercado Municipal. Ele pretendia distribuir simpatia exibindo o seu palavreado arrastado (poita, coida, joinal...), pra umas raparigas que faziam dali ponto de prostituição e comprar o mantimento básico para levar pra casa. Ao chegar à esquina do DER-BA, próximo ao Mercado Municipal, Zé foi contatado cordialmente por um simpático cidadão – com sotaque igual ao dele – que lhe pedira um pequeníssimo favor em troca de uma boa gratificação. Zé adorou ouvir o “paulistês” daquele quase conterrâneo. Até tentou um diálogo para mostrar que também falava naquele mesmo linguajar, mas o cidadão tinha pressa. O distinto cavalheiro logo entregou a Zé um maço de cédulas de R$ 100,00 e lhe disse, apontando para um homem que estava do outro lado da avenida, em frente à loja Dimontão, ostentando um relógio de parede com moldura de madeira:

─ Tá vendo aquele senhor, que está ali, vendendo um relógio de parede?

─ Tô! – Respondeu Zé cheio de usura segurando o maço de dinheiro. Continuou o tipo paulista:

─ Aquele relógio foi do fazendeiro Epidauro, meu velho pai, portanto uma estima que a minha família quer reaver. Se eu for pessoalmente comprar, ele pode me reconhecer e pedir uns R$ 4.000,00 pelo relógio, ou até mais. Vendendo para uma pessoa que não seja da família, com certeza o relógio vai ficar mais barato. Estou colocando na sua mão R$ 1.000,00 para você fazer o negócio. Se ele pedir mais do que isso, e o senhor tiver, pode dar, aqui eu lhe reembolso. E mostrando mais uma cédula de R$ 100,00 concluiu: ─ esta será a sua gratificação caso você consiga comprar aquele relógio para mim. Vou ficar por aqui esperando você fazer o negócio.... Seja rápido!

Zé conferiu os R$ 1.000,00, atravessou a avenida e indagou do vendedor a procedência e o preço do relógio.

O homem confirmou tratar-se de um relógio que pertenceu ao rico fazendeiro Epidauro, portanto uma relíquia de família e, quanto ao preço, R$ 4.000,00..., mas que ouviria a oferta de Zé.

O raciocínio de Zé foi rápido:

─ Dou R$ 3.020,00 no relógio! (Ou seja: os R$ 2.000,00 das aposentadorias do pai e da mãe, R$ 1000,00 que o cidadão havia lhe entregue e R$ 20,00 que ele tinha para pagar a passagem de volta à Ubiraçaba).

O homem concordou em vender o relógio pra Zé pelos R$ 3.020,00, mas o advertiu:

− Se o senhor encontrar alguém muito interessado em comprar esse relógio, pode ser um filho do fazendeiro Epidauro, o primeiro proprietário dessa joia. O amigo pode pedir mais dinheiro nessa relíquia que com certeza ele dará! ...

De volta à esquina do BER-BA, Zé levava consigo o relógio nas mãos e na mente muita ganância... Ele já pensava em pedir bem mais de R$ 100,00 pelo seu grande feito. Porém, o gentil cidadão não estava mais lá. Desaparecera. Zé virou-se para o Dimontão, também não viu mais o vendedor do relógio.

Olhando para todos os lados, na esperança de rever um daqueles homens, Zé deslocou-se − abraçado ao relógio, com o olhar inquieto como se estivesse assistindo uma partida de tênis − até o centro comercial para avaliar o relógio numa casa do ramo. R$ 60,00 com a pilha – informou o proprietário do estabelecimento. Zé começou a chorar, o comerciante se sensibilizou o ofertou:

− Tá bem, tá bem! .... Dê R$ 50,00 e não se fala mais nisso!

Zé soluçou alto.

O relojoeiro comoveu-se ainda mais:

─ Se ainda tiver caro para o senhor, pode parar de chorar! ... O relógio é seu por R$ 40,00! .... Foi quanto me pagaram por um desses, Dois fregueses paulistas, hoje quando abri a loja.... Fiz esse preço porque eles me sensibilizaram alegando que o relógio seria para presentear um pobre velhinho, de nome Epidauro, que precisava do relógio para tomar remédio na hora certa! ...

Naquela sexta-feira Zé pagou a passagem de volta para Ubiraçaba empenhando ao proprietário da VAN um relógio de parede, e sem falar das proezas dele na terra da garoa como habitualmente fazia, com o seu sotaque “paulistês”... E o pensamento martelando:

─ Epidauro! ... Epidauro! ... Epidauro! ...


(*Pabulagem, usura, ganância nem sempre é esperteza)

F E L I Z 2 0 2 2!











 
 
 

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