
Delegado de polícia do estado do Espírito Santo-aposentado; ex-professor de Direito Penal e Processual Penal, pelas Faculdades de direito do Centro Universitário do Espírito Santo: graduação e pós-graduação, anos 1998 a 2004:
Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Novo Milênio, em Vila Velha/ES; professor de Direito Penal e Processo Penal, Criminologia, Execução Penal- Faculdade São Geraldo, posteriormente Faculdade Multivix em Cariacica/ES.
A proposta deste trabalho é reunir e analisar, de forma exemplificativa, institutos jurídicos e princípios normativos inerentes ao direito penal material e processual favoráveis ao réu. Nesta edição, publicar-se-á uma visão crítica e holística do pensamento jurídico-penal na seara dos direitos e garantias fundamentais, em face às suas violações sem, contudo, trazer à baila os respectivos institutos e princípios adredemente mencionados. Reserva-se, portanto, essa tarefa para as próximas edições.
Objetiva-se contribuir, dentro do possível, na formação das futuras gerações, e organização da sociedade, bem assim, sua eficácia frente aos novos modelos de convivência coletiva no plano dos conflitos interpessoais, objetivando alcançar resoluções equilibradas, justas e pacíficas.
Com escora na vigente Constituição da República Federativa do Brasil e instrumentos internacionais pertinentes, orienta-se na perspectiva dos direitos fundamentais da pessoa acusada de prática ou participação em infração penal, de modo a garantir o contraditório e o amplíssimo direito de defesa como mecanismos de contenção ao arbítrio do poder e à vindita pública.
Expurga-se, portanto, a ideia das práticas punitivas adotadas no período anterior à revolução francesa, no que se refere ao modo e espécies de sanções penais. O suplício e a espetacularização eram vistos como necessários à reprovação e prevenção das condutas opostas às convenções e conveniências sociais, a partir da ótica das classes hegemônicas. Implicitamente serviam de instrumento de dominação em cristalina demonstração de força e poder do soberano, tanto na esfera secular, quanto no âmbito do tribunal da inquisição.
A meta principal desta jornada é indubitavelmente a reflexão acerca dos princípios constitucionais da legalidade e ampla defesa do investigado, com observância ao devido processo legal, sem olvidar as posições críticas advindas do senso comum, de que no Brasil as sanções penais, além de demasiadamente tardias, só atingem pessoas desafortunadas, excluídas socialmente ou desprestigiadas pelo poder político ou econômico.
Assustadora, porém, preocupante e digna de reflexão, uma reportagem publicada pela “Folha de São Paulo” em 09 de dezembro de 2015 sob o título: “processo penal contra ricos é um faz de conta”. Segundo o órgão de divulgação em tela, um membro do Ministério Público Federal, manifesta aos jornalistas Flávio Ferreira e Mário Cesar Carvalho, seu descontentamento em face à morosidade na finalização de processo criminal que resultou na condenação de pessoas destacadas no corpo social, argumentando que “o número infinito de recursos que postergam a sentença definitiva sobre um caso acaba por não permitir uma resposta penal célere, de modo a fomentar a sensação de impunidade”. Referia-se a determinadas lacunas normativas ou anomias, a que chamou de “brechas legais” impeditivas ou obstrutivas de combate à corrupção.
Situações desse gênero são públicas e notórias, ao ponto de disseminar no seio coletivo a sensação de insegurança jurídica, incentivo ao crime e descrédito nos órgãos governamentais encarregados da manutenção da ordem e da paz. Peso maior de desconfiança popular recai sobre os ombros dos organismos jurisdicionais responsáveis pela aplicação da lei penal ao caso concreto.
O entrevistado teria feito alusão à ineficácia do processo penal relativamente à condenação de um empresário em São Paulo em 2006, a 31 anos de reclusão pelo desvio de R$ 161 milhões durante a construção do fórum do Tribunal Regional do Trabalho. No Rio de Janeiro dois servidores públicos foram condenados em 2003 pelo desvio de recursos públicos na ordem de US$ 34 milhões e depositados em conta secreta na Suíça, entre os anos de 2001 e 2002, e nenhuma das condenações havia produzido os efeitos jurídicos da coisa julgada, vez que ambas trilhavam, ainda, pelas vias recursais, por ocasião da entrevista.
É bem verdade que o conjunto normativo jurídico pertinente não se coaduna com a aplicação imediata da sanção, justamente pelas garantias constitucionais vigentes, a começar pela natureza da infração e o juiz natural, prerrogativa de função, prazos processuais, produção do acervo probatório, recursos e demais formas de impugnações, dentre outros fatores de equivalente importância.
Vale gizar que o Estado brasileiro se obrigou perante a comunidade internacional, ao cumprimento de determinadas metas e condutas no trato à pessoa humana objetivando, em tese, afastar a adoção da política do direito penal do inimigo e do movimento de lei e ordem. Isso, pelo menos no campo teórico, e ressalvadas as excepcionalidades daí advindas, sob pena de trilhar pela contramão da história, ou no mínimo laborar em retrocesso e assumir o risco da ocorrência de punições apressadas e injustas, desumanas e cruéis[1], desconsiderando-se os ditames prescritos na Constituição Federal e nas leis inferiores, no plano das garantias alusivas à legalidade, ao contraditório e à ampla defesa. Além do mais, adviria a drástica consequência da violação de cláusulas de tratados de direito internacional e seus consectários políticos e econômicos na ordem externa.
Tantas são as garantias e blindagens ao direito de liberdade do acusado, que acaba por edificar uma robusta barreira de contenção a seu favor, com o objetivo de impedir ou dificultar
[1]Art. 5º, XLVII, CF “Não haverá penas”: a) de morte, salvo no caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX (A exceção sobre a pena de morte, vide CPM – Decreto-Lei 1.001/69, art. 55 a 57); b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.
o exercício arbitrário do poder, na efetivação da norma punitiva, com a celeridade razoável e rigor desejado pelo ofendido e pela coletividade em geral.
Se por um lado argumenta-se a vantagem da segurança jurídica e a possibilidade de reduzir as injustiças que afetariam ao réu, de outro modo prolifera a sensação de impunidade tendente a descaracterizar a principal função da pena em abstrato, que é a prevenção geral negativa ou positiva. Em concreto, a prevenção específica, no que tange ao próprio condenado em fase de expiação da pena ou depois dela, e a prevenção geral, em relação aos demais integrantes do corpo social, que conhecedores da aplicação e execução da reprimenda, seriam desencorajados à violação da lei. Ou como dizia Rui, in Oração aos Moços (1.921): “justiça atrasada, não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”.
Não raro, o tempo decorrido entre a prática do fato punível e a resposta penal, se mostra tão gigantesco que a sociedade emerge em lapso de memória atinente ao crime praticado e seu autor. A prestação jurisdicional excessivamente tardia nessa área acaba por perder força e sentido, em decorrência da morosidade que afeta a marcha processual, ainda que se busque de algum modo, prestigiar o princípio constitucional da “duração razoável do processo”, inserto no art. 5º, LXXVIII, CF, mola propulsora do acesso à justiça. Acesso, não à justiça no plano organizacional do poder judiciário, mas prestação jurisdicional célere e justa em nível de satisfação ou reparação de um dano ao bem jurídico violado pela conduta do agente.
Com tantos empecilhos à efetivação da pena, poder-se-ia questionar o fenômeno gerador do aumento vertiginoso da população carcerária nas últimas décadas, mesmo diante de alguns dos fatores em análise, associados às inúmeras garantias constitucionais e legais, conforme doravante se verá.
Estariam estas garantias estimulando, de algum modo à prática delitiva pela sensação de impunidade? O direito punitivo estatal estaria perdendo seus objetivos na tutela dos bens jurídicos, na prevenção e reprovação do crime e ao tratamento do criminoso?Estaria a sociedade brasileira experimentando as consequências dos denominados “espaços anômicos”? [2] Ou as políticas públicas, nomeadamente a política criminal concorrendo com outros fatores sociais estariam, de algum modo contribuindo para o crescente índice de criminalidade? A própria formação familiar na seara da educação dos filhos, as liberalidades excessivas, a ausência de exemplos de conduta e controle dos filhos por parte dos pais ou responsáveis, aliados ao meio
[2]Lugares ou espaços desprovidos da presença do Estado como ente detentor exclusivo do jus puniendi, razão pela qual as violações às normas legais seriam toleradas em face de sua inércia.
social em que vivem, também poderiam exercer influência na conduta dos jovens ao ponto de contribuir com a corrupção moral dessa juventude, de modo a conduzi-los às práticas desviantes? O consumismo exacerbado e sem controle, concorrendo com a imitação e a modernidade poderiam, de algum modo, contribuir para a delinquência, sobretudo, de natureza patrimonial? Estas e outras questões correlatas serão apreciadas na perspectiva de possíveis respostas, ao menos condizentes com a realidade vivida e as angústias que ora se apresentam.
Continuaremos na próxima edição...





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