FOME ELA VAI TER
- jjuncal10
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RIBAMAR VIEGAS
ESCRITOR LUDOVICENSE
Trabalho nunca foi a praia de Péricles Xixó. O malandro até que tentou como Auxiliar de Topógrafo, mas desistiu na primeira medição. Na verdade, Xixó gostava mesmo era dos botecos da cidade. Por lá, cotidianamente, ele bebia todas e mais algumas. A figura era de classe baixa, mas andava razoavelmente vestido. Nas sextas-feiras, costumava esnobar nas serestas metido num blazer preto, com uma camisa bege de gola rolet, cabeça raspada e barba cheia. Bom de papo, ele não tinha dificuldade em fiar suas doses. Quando estava em “grande” débito com o bar, ele bebia recostado no balcão, na expectativa de um descuido do proprietário do estabelecimento para pegar o caderno de fiado e colocar um (pg) na página com o seu nome ou retirar e rasgar a maldita. Nas festas no Clube Social, Xixó dava seu jeito de entrar e participar da festa com um equipo de soro camuflado por dentro da manga do blazer, esticado da palma da mão até boca, o malandro esperava os casais levantarem para dançar, encostava-se disfarçadamente nas mesas, colocava a ponta do equipo dentro dos copos e sugava as doses de whisky. Dessa forma, ele só bebia whisky bom. Apesar de alcoólatra de carteirinha, o astuto Xixó gostava de ler. Andava sempre com jornais debaixo do braço. Fazia suas leituras em voz alta nas mesas de bar, sentado de pernas cruzadas, bebendo e fumando como se estivesse em sua casa. Sempre que me encontrava, comentava com ênfase os enredos dos meus contos publicados no semanário Tribuna do Sertão. Como todo boêmio, Xixó, além de festivo, era chegado num rabo de saia. Quando a cabrocha extrapolava na quantidade de bebida, tira-gosto e cigarro, Xixó dava um jeito de sair de fininho, deixando só os dois na mesa: a mulher e a conta pra pagar. Não foram poucas as peripécias do vivíssimo Xixó. Mas teve uma que extrapolou todos os limites do mau-caratismo: certa feita, trajando o blazer preto e a camisa bege de gola rolet, Péricles Xixó chegou a uma hospitaleira cidade da Bahia, 100 Km da que ele morava, para curtir uma festa de largo. Lá, apresentou-se a uma balzaquiana − filha única de uma família respeitável − como sendo o doutor Péricles, engenheiro agrimensor. A provinciana viu naquele homem sério e bem-vestido grandes possibilidades de uma felicidade plena. Valeu a pena esperar, não se entregando a qualquer um. E hospedou Xixó por dois meses na casa da família. Namoraram, noivaram e ela engravidou. O malandro já usava as roupas do sogro e cumprimentava a sogra com tapinhas nas “costas”, quando sentiu a barra pesar para o lado dele. A noiva lhe avisara que já havia distribuído os convites do casamento deles. O Doutor Péricles sentiu que era hora de bater em retirada. Alegou que as férias haviam terminado e que ele precisava retornar imediatamente ao trabalho. Prometendo voltar o mais rápido possível com as alianças, o batistério e grana para bancar as despesas do casório, Xixó regressou de carona para a cidade dele, feliz da vida por ter vivido mais uma grande aventura amorosa e poder contá-la aos seus parceiros de copo. Enquanto isso, na cidade da noiva, a aflição só aumentava com a falta de notícia do Doutor Péricles. A família teve o desprazer de informar aos convidados do casamento da filha o adiamento da cerimônia para uma data a combinar de acordo com a disponibilidade do trabalho do noivo.
Nos botecos da vida, o descompromissado Xixó nem se lembrava mais da noiva, mas a barriga desta não se esquecia dele, só crescia. Com seis meses sem notícia, os pais da noiva resolveram levar a filha à cidade do Doutor Péricles Xixó com o propósito de conhecer a família deste e realizar um casamento emergencial para amenizar a reputação da família, já bastante abalada na sociedade da sua cidade.
O nome da rua a noiva lembrava: Dois de Julho.
Era fim de tarde quando a Kombi transportando a família da noiva do Doutor Péricles parou nas proximidades de uma ruela enfeitada de bandeirolas. Era véspera de São João. Desceu o pai, a mãe e a noiva. O motorista da Kombi, antes de partir com o veículo, informou:
─ É só descer esse beco, a primeira travessa é a Rua Dois de Julho!... Feliz São João!!
A família achou esquisito um doutor morar num local tão humilde. Só podia estar errado! Deve ser outra Rua Dois de julho. Pararam em frente a uma casa modesta e perguntaram a um velho que estava sentado na calçada afinando a primeira corda de um cavaquinho para tocar na festa:
─ Como se chama esta rua? – perguntou a mãe da noiva.
─ Dois de Julho – respondeu o velho, girando a tarraxa da segunda corda.
─ O senhor, por acaso, conhece o Doutor Péricles?
─ Se for quem eu estou pensando, sim! Tenho um sobrinho com esse nome. Mora nos botecos e dorme aqui.
─ Não deve ser o mesmo! O Péricles a quem nos referimos é engenheiro e noivo desta moça. Somos de outra cidade e estamos aqui para encontrá-lo e agilizarmos o casamento. Como o senhor pode ver, não dá mais para esperar – esclareceu o pai da noiva.
─ Um instante – solicitou o velho entrando na casa, voltando com a foto de um bêbado, trajando blazer e camisa de gola rolete, escornado na mesa de um bar, entrego-a aos visitantes e perguntou:
─ É esse?
─ É esse mesmo! – reconheceu a noiva sem maiores entusiasmos.
─Esse Péricles nunca cursou engenharia, só estudou o primário – esclareceu o velho, afinando a terceira corda do cavaquinho. Calmo, como a maioria dos músicos, o velho puxou uma longa tragada do cigarro de palha, afinou a quarta corda do instrumento, executou um acorde e falou pausadamente aos pais da noiva:
─ Uma coisa eu posso lhes afirmar. Se ela casar com ele... joias, sapatos caros, roupas de grife, carros, perfumes franceses... ela não vai ter, mesmo! Agora fome... ela vai ter, muita! Porque ele não trabalha ‒ se quer ‒ para comprar um pão! ‒ garantiu o velho, solando no cavaquinho a música de Moraes Moreira que abriria os festejos do São João daquele ano, Festa do interior.
Retoque do destino: o filho de Péricles Péricles Xixó constituiu-se num cidadão respeitado, arrimo de família, bom filho e bom neto. Trabalhou comigo numa mineradora e formou-se em engenheiro agrimensor (profissão fictícia do pai). Xixó foi consumido pela cachaça... morreu!











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