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O TROCO


RIBAMAR VIEGAS

ESCRITOR LUDOVICENSE


Era uma sorveteria localizada num bairro de classe média alta. Estava cheia de crianças da redondeza, quase todas acompanhadas de mães, tias, irmãs, babás... A tarde era de muito calor, e a bonita garçonete servia, com muita simpatia, variados tipos de sorvetes a todas aquelas crianças e aos seus acompanhantes.


Ele chegou só. Entrou e sentou-se. Aparentava uns sete anos de idade. Era moreno e, apesar de limpo, as suas vertes eram muito simples. No rosto, um olhar observante de tudo o que ocorria a sua volta. Admirava o tamanho das grandes taças transbordando de suculentos sorvetes sendo servidas e, paulatinamente, saboreadas; esperançoso da aproximação de algum daqueles meninos bem vestidos para também compartilhar da alegria, mas logo entendeu que era mais sensato curtir a alegria de todos, sem se manifestar. - Lógico que o seu coração de criança inocente, inevitavelmente, saltitava com o blá, blá, blá do ambiente. Tudo lhe parecia fascinante. Os retratos no alto das paredes ostentando os tipos de sorvetes, os grandes ventilados no teto.... Contudo, algo lhe chamara mais atenção. Percebeu que quase todos que pagavam suas contas e saiam, deixavam sobre a mesa moedas ou cédulas e diziam para a graciosa garçonete: -


O troco é seu!


A garçonete beijava as crianças e agradecia sorridente. Ele achou aquilo o máximo. De repente, ele ouviu:


─ Deseja alguma coisa? - Era a bela garçonete sem a mesma simpatia dispensada aos outros fregueses.


− Quanto custa um sorvete pequeno de morango? – Quis saber.


− Três reais!


− Não tem um mais barato?


─ O de coco. Custa dois reais!


− Quantas bolas vêm no sorvete de coco de dois reais?


─ Duas bolas!! – A garçonete já perdendo a paciência.


− Eu quero um sorvete de coco com uma bola!


─ Vai tomar o sorvete aqui??...


− Posso? – Quase suplicando.


− Se não demorar...


O sorvete foi servido num cartucho de trigo. Mal ele acabou de tomar o sorvete, a garçonete, que não lhe tirava os olhos, presumindo que ele poderia sair sem pagar, aproximou-se rapidamente e lhe disse em voz baixa:


─ É um real! Paga e vê se não aparece mais aqui! ..

.

Naquele instante, ele nem se importou com o que ouvira, ainda não entendia de humilhação e, pelo contrário, o seu rosto inocente se iluminou num sorriso triunfal de satisfação, ao tirar do bolso uma nota de dois reais, entregar à garçonete e poder dizer a ela o mesmo que os meninos “do bem”, que ali frequentavam, diziam:


− O troco é seu!!!


(A garçonete era minha irmã, Rosa. A sorveteria era do noivo dela, Nonato. Ela me confidenciou que o menino saiu da sorveteria sem entender porque ao invés do costumeiro beijo sorridente de agradecimento, a prendada garçonete chorava copiosamente, a ponto de não conseguir mais trabalhar o resto do dia. Ela esperou várias tardes pela volta daquele menino à sorveteria para tentar se redimir lhe ofertando o maior sorvete possível, lhe pedir perdão e beijá-lo com afeto, mas ele nunca mais voltou lá. Maria Rosa Viegas, faleceu de AVC, no Rio de Janeiro, em 2007, carregando consigo esse trauma. Sempre que lembrava daquele menino, chorava. – Portanto, pode botar troco nisso! - Que Deus a tenha!)



 
 
 

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